sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Lágrimas e chuvas de dezembro
Faça as coisas que você sempre quis,
Sem eu ali pra te segurar.
Não pense, apenas faça.
Mas do que qualquer coisa, eu quero ver você, garota
Retirando um pedaço glorioso do mundo todo.
É quase Natal.
O ar anuncia, o cheiro de dois ou três perfumes contam novas estórias.
Os meus pés percorreram o calor, minhas mãos estão molhadas de lágrimas de transição.
Alguns sonos entram pela porta arrebentando todo o silêncio ao qual eu tinha me entregado.
É mentira. Tudo queima pior que as salamandras que andam me acompanhando.
Mesmo sendo mentira, ninguém precisa saber disso, o sangue é sagrado e já dizia a canção... o fruto do nosso trabalho é sagrado e o nosso suor é bendito em toda a sua verdade.
A verdade seja ela qual for talvez seja o que me faça insistir nas pessoas, na vida, na esperança de que o mundo esteja melhorando. Porque nada pode piorar...
E eu nem peço mais por mim, eu peço pelos que tem muito mais a perder. Eu não tenho muito além do que eu carrego por dentro, eu também não me apego a essa mania cínica de coisificar as pessoas e a vida.
Talvez meu choro seja de cansaço. Cansaço de um ano todo, cansaço de rir, de ser forte, de ser... simplesmente, cansaço de quem precisa de um abraço apertado ou dois, que precisa de um colo, mas que não vai encontrar... porque é quase Natal e todos estão ocupados demais comprando coisas que não precisam, amando quem não se importa com o amor, quem joga o amor assim como joga as embalagens dos presentes.
É um pouco desconfortável depois de um dia todo tão azul e bonito... e simples, porque isso o tornou mais bonito ainda, é difícil depois disso dar vazão as lágrimas, dar vazão a um pranto que desafoga sem que eu o impeça de se expandir e sobretudo, falar sobre isso desafiando o silêncio ao qual minha alma havia se entregado. Eu estou aqui, clara, dolorida, sem disfarces, sem fantasias, sem ironias, sem metáforas, dizendo claramente que me perdi e dizendo tudo mesmo sem procurar ocultar a ferida, sem evitar o caminho que dói mais.
Por que sempre a mesma estrada? Eu já a conheço, já estive nela por tempo demais e sei que sempre acaba do mesmo jeito. Do mesmo maldito jeito que eu tento evitar não tentando nada. Não me mexendo, porque se mexer já é um desafio gigante.
Eu já deveria saber que essas luzes me cegariam, eu já deveria saber que as estradas que eu pegasse seriam sinuosas, eu já deveria saber que eu não consigo manter ninguém por perto, que assim como um filme em lançamento, eu só sou interessante até a noite de pré estréia e eu tenho essa mania injusta de dar "adeus" o tempo todo e de não voltar mais e de não me importar mais, é por isso que eu tenho medo de usar as pessoas como bitucas de cigarros e copos de bebida, é por isso que eu prefiro andar só e conversar com meu silêncio e minhas dúvidas. E eu crio estórias que ninguém compra e vendo mentiras com ofertas imperdíveis pra ver se um dia eu acordo e acredito na minha mercadoria contrabandeada.
Nem precisa me dizer, sabe? Eu sei que meu coração nunca será um lar, eu não sei ser pouco e o excesso também é pecado. Eu queria tanto falar de paz, nessa ante-véspera de Natal... mas como eu posso? Quem poderia? Possivelmente alguém que já a encontrou, que já sentiu seu doce hálito. Não, ela nunca esteve comigo. E eu ainda busco encontrá-la.
Nos livros, nos filmes, nas ruas, nos sorrisos gratuitos e gentis.
Por Deus, é essa gentileza que me salva e que me faz querer trilhar um caminho que ninguém possa percorrer, além de mim. Eu acredito mais do que nunca.
Eu botei as minhas velhas canções pra tocar, aquelas que eu costumava sentir baterem dentro do meu peito. As linhas de baixo fluirem nas minhas artérias, enquanto eu dançava pelo caminho, eu sempre quero dançar pelo caminho. E tudo que eu senti foi sozinha, mesmo que tivesse amor nesse caminho. Amor pelas pessoas, pelas suas ideias... ou talvez só o amor pela ideia que eu fazia das pessoas e isso me mostrava que até mesmo a ideia melhorada que eu tinha das pessoas era um pouco da beleza que eu tinha por dentro fazendo efeito. A verdade é que eu amo quebrar a cara com alguns, pra assim, descobrir como são perfeitos outros, perfeitos desde o alface no dente até a mensagem de texto de madrugada entre um copo de vinho e um salame no pão.
Eu não me arrependo de vocês. Vocês sabem disso. Talvez eu me arrependa de não ter tido sempre suficiente maturidade pra entendê-los e pra me entender. Mas o que eu poderia exigir dos outros? O que eu poderia exigir de mim? Que sempre vivi em meio a coisas e ideais estúpidos, que tipo de coerência eu poderia ter?
Agora eu acho que tenho, ela veio com a chuva, com todo o tipo de chuva.
Parece que sempre choveu nos momentos que deveriam na minha vida e minha vida é hoje, é o que escolhi ser. É só esse alguém que não joga cartas com as pessoas e com seus sentimentos e que escreve agora, tudo o que fui ontem morreu e jaz dentro de mim num cemitério de almas calmas. Muito do que fui, era lindo. Mais ainda do que fui era horrível, digno mesmo de repúdio e condenação. Mas eu me despi das asas de outrora, pra dar espaço pra novas asas, pra novos erros e defeitos. Eu me entreguei e quem eu era não existe mais... talvez só exista nas memórias dos outros e um pouco na minha. Sempre fica um perfume daquilo que poderia ter sido e do que foi doce. Eu acho bonito restar um pouco de perfume nas mãos dos que distribuiram flores. Distribui espinhos também, mas creiam-me, esses espinhos feriram muito mais a mim, todo o dano que eu causei me gerou chagas maiores que demorarão a cicatrizar. Nada do que fiz ficou impune. Eu queria que os outros pagassem também. Mas isso era o que eu era... quem eu era esperava sair vingada de algumas coisas. Quem eu sou... ah, quem eu sou não espera nada. Minto.
Espero que chova, espero ouvir palavras doces quando eu ficar com alergia muito forte, espero que eu sempre saiba adoçar a chá com a quantidade certa de açucar.
Que eu sempre tenha por perto aqueles pra quem, um dia, eu quero dar uma ceia de Natal e adormecer contando estórias do Andersen junto a lareira.
Que eu posso rir, rir de mim mesma como venho fazendo, dos vacilos, das insanidades e do meu descontrole que agora tá acalmando. Que eu possa ver o sorriso dos filhos que eu escolhi ter e que o pai deles chegue quando for a hora pra que eu possa doar o grande amor que tenho pelo mundo e que eu sei que ainda posso sentir, de novo.
Eu espero que chova amanhã também e que eu chore pela esperança, por ter um amigo querido por perto, que o aperto e vazio diminuam quando ele chegar.
E que toda a expectativa de um novo florescer sejam reais.
Já foram lágrimas demais. E todos nós podemor ser felizes, mesmo no meio da dor, mesmo num lugar sem esperança, mesmo que eu precise aprender muito e que os deuses me dêem esse Norte, não, que eu possa desenhar esta bússola e encontrá-lo sozinha, sempre foi divertido fazer as coisas sozinha e tomar o caminho mais arriscado quando poderia ficar na zona de conforto. E eu vou caminhar dançando até lá, até o meu norte, até onde o meu coração repousar.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Sobre o que eu não venho dizendo
Eu sou o filho que eu penso que sou?
Eu sou o amigo que eu penso que sou?
Eu sou o homem que eu quero ser?
Eu estou aqui pela minha sanidade, eu estou aqui por você
Eu estou aqui pela sua fantasia-sanidade, eu sempre estou aqui por você.
Sim, eu estou.
Quando as palavras te fizerem mal, use-as como lenha e deixe-nas queimarem.
Deixe-nas queimarem.
Por baixo de cada palavra, existe um coração partido.
E com ou sem palavras, nós tentamos perdoar.
"É engraçado estar aqui de novo"
Foi o que eu pensei naquela instante, ao menos, foi o que eu deveria ter pensado. Já não consigo recordar com clareza se meus pensamentos estavam ritmados e cadenciados então.
Eu tenho muitas coisas a dizer. Coisas coloridas e monocromáticas, leves e duras. Coisas.
Mas acho que te ajudo mais com meu silêncio, talvez ele seja o que há de melhor em mim.
Acontece que na minha vontade de silenciar, eu falo, mesmo que pras paredes. Conto pra elas cada estória que eu já ouvi. Existem lobos nas minhas estórias, princesas abandonadas em florestas por criados solidários demais pra arrancar-lhes o coração. Existe sangue nas minhas estórias.
Existe sangue em todos os lugares pra onde eu olho e eu me espanto, mas eu sei... não deveria me espantar, porque também tem sangue demais dentro de mim.
Todas as palavras que eu quis dizer e não disse ficaram abandonadas em silêncio no meio de uma ou duas notas musicais. Irônico, não?
Eu procuro por um paz que não encontrei em nenhum pouso, em nenhum olhar, em nenhuma bebida. Ou já encontrei. Mas é tormenta fingindo ser paz, é a calmaria que precede uma onda gigante, é um lobo com olhos em chamas passando-se por animal guardião. Minha paz e minha tormenta são dois lados opostos da mesma moeda.
Porque gravitar de dia ao redor da paz, é aceitar um pouco de tormenta a noite.
Bem vindas noites de insônia, pesadelos e desvarios!
E rejeitar a paz é perder o vazio. É secar. É não mais florescer.
Cortar os espinhos não seria uma maneira de matar o que há de mais selvagem e inato da flor? Não é da sua natureza ser arisca. A beleza é arisca como os segredos do mar.
Eu acho que me perdi no caminho de volta pra casa e agora minha sina vai ser essa de viver sempre no "entre", se fossem "entrelinhas" seria fácil, mas parece se tratar de "entre caminhos", Não ser absolutamente um todo, não ter vontade de ser completo, mas ir errando pelos caminhos, ir sedenta por meio deles.
Eu poderia falar coisas bonitas. Não tá oco aqui dentro, tem beleza vazando pelos poros, mas eu temo que a esperança que gera essa beleza acabasse se exaurindo mais hora ou menos hora. Tenho medo que o manancial de palavras seque, chego a pensar que já estive perto disso, mas consegui recuar um passo do precípicio. Recuar um passo do precípicio do silêncio.
Que me condenaria ao mais mortal dos silêncios: O silêncio de quem cala não por vontade ou necessidade, mas sim porque não tem mais o que dizer.
E eu te juro, tenho muito mesmo a dizer. Palavras elegantes e vulgares. Sujas, vermelhas, cheirando a canela e naftalina. Mas eu não quero. Não quero gastar o que não me é dado perder, não quero perder o que me salva do abismo. É o abismo mora perto, perto desses amores moedas com cara-tormenta e coroa-paz.
Eu não pratico mais esses jogos. Eu tento me aquecer por dentro das palavras do que queimar em praça púbica. Aqui existe um lugar onde as coisas aquecem ao invés de queimar. É bom guardar isso, é bom levar isso.
Muita coisa não vai ser dita, porque não precisa ser, porque não é necessário, porque a lua não quer e porque ela jamais contaria as verdades e mentiras que contei a ela. Ela não diria a ninguém. Ela não me sabotaria contando pra todo mundo sobre as mentiras que inventei pra dormir bem e pra sonhar com coisas verdes ou dormir pesado sem monstros me levando pra passear. Ela não diria uma palavra sobre os dias de chuva. Acima de tudo, ela guardaria pra ela os dias de chuva.
Eu não quero matar, mas eu venho buscando o ódio como uma caçadora implacável, eu não quero fugir da minha zona de conforto e não quero ferir ninguém com o que me foi ferido, o que me foi ferido não é motivo pra levantar a espada contra inocentes.
Me proteger dos olhos dela e de seu veneno ingênuo, me proteger das inverdades e e não deixar ruir a fortaleza de pedras que construí ao redor da Ilha dos sonhos, são as coisas que peço quando fecho os olhos. Quando eu fecho os olhos, eu procuro o ódio em jardins de amor. Mas eu não quero todo este amargo-doce-azedo-fétido da vida. Eu quero ser livre pra escolher sempre uma moeda com dois lados de paz, pra não dar chance ao azar, pro azar não me encontrar. Só terá leveza aqui quando dissiparem-se as sombras.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Páginas de ontem
Eu tentei consertar uma coisa que eu nem deveria ter tocado,
Agora,
todas as palavras giram na minha cabeça como uma antiga canção que eu não consigo deixar de cantar.
Eu não estou mais tentando achar a lua, porque ela não está no céu esta noite.
Eu não quero acordar pra dentro do sono.
É como se o manancial não secasse nunca e você fica repetindo as minhas palavras, repetindo sempre as minhas velhas palavras.
Eu sequer lembrava delas, não sabia mais como podiam soar, assim lentas e fragéis.
Eu tentei costurar e remendar e costurar novamente os meus pensamentos, como se fosse possível, como se fosse fácil.
Mesmo que eu soubesse ser impossível fazê-los voltar ao lugar, eu tentei.
Eu tateei as cegas a noite com maior penumbra que eu pude encontrar, o lobo em mim.
O lobo em mim me olhava com olhos de chuva. E a chuva não me dizia mais nada.
A chuva chovia pela maior razão: Tinha de chover hoje.
E vocês todos estavam certos.
A minha sensibilidade ía acabar me matando, o meu coração que comia universos, ía me derrotar.
Eu me danava por não saber fechar essas chagas que aumentavam de noite, que reabriam sem o menor pudor, sem que eu pudesse lutar contra ou implorar por redenção.
O cansaço me consumia e eu não podia mas resistir a ele.
A hora do cansaço chegara, e era só me entregar a ela.
Mas você repetia as minhas palavras e eu pensava no quão bonito isso era, no quão eu me orgulhava com timidez.
Só que minhas palavras estavam envelhecendo e eu estava me cansando e cansar-se é irreversível.
A lua já não me diz nada, mas você repetir minhas palavras como se ainda fossem reais, me deu vontade de sorrir por dentro. De sorrir pro céu, mesmo ele sendo vazio...
De dormir como uma criança no útero, de chorar mansinho e esquecer da chuva.
Você não deveria repetir minhas palavras, você não deveria acordar esse lobo cansado dentro de mim.
Porque ele acorda como quem mata.
Com a delicadeza de quem não pede, mas exige pra si o mundo.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Madrugadas
"Ando cansada de tudo, desses nadas.
A vida é o que a gente não quer" - Nana Caymmi
A vida é o que a gente não quer" - Nana Caymmi
, E também que eu não acredito que alguém possa ouvir Eleanor Rigby sem sentir "aquele peso" no ombro esquerdo.
- Do que você tá falando, Lizzie? É só uma música, não tem nenhuma ambição de ser mais do que isso.
- Você não vê, Cleo? "Ah, look at all the lonely people" ... É como um grito mudo, é como um cãozinho se escondendo numa marquize pra não morrer seja pelo frio ou pela hostilidade dos generosos. Pesa muito.
-Foi Lennon que escreveu... quase inteira, não? Andei lendo...
- Lennon não conseguiria olhar pra fora, porque era "INSIDE" demais, essa canção é filha do McCartney.
-Hm, tanto faz. É uma boa música, Lizzie.
- Mas a pergunta continua suspensa, como gotas de uma chuva fora de época que ameaça cair, mas só ameaça. De onde vem todas essas pessoas, Cleo? Elas não pertencem a lugar nenhum.
- Você passou muito tempo dentro da sua cabeça, Lizzie. Se perdesse essa mania de examinar as coisas pelo que você pensa que elas são e não pelas coisas em si, você seria feliz. Você teria uma vida brilhante.
1966 - 2019 - 2010 - 2011 - 2021
"Porque minha vida faz a vida da Eleanor Rigby parecer uma festa"
Eu tenho 10 escolhas e eu prefiro o infinito, só porque aquela velha companheira disse/escreveu que não há adjetivos que descrevam o infinito, ele É e se basta sendo, sendo e sendo, infinitamente, como uma torrente, como uma torrente lírica e amorosa, infinitamente doce, infinitamente azul, infinitamente finita.
O que eu poderia dizer que já houvesse dito, ou lido, ou escrito? O que melhor representaria? 10 modos de não se perder agora, 10 anos ou mais? O amadurecimento esperado chega a mim com cara de cansaço, de quem já andou demais por caminhos descarpados e agora quer repousar em qualquer colchão duro.
Contar até 10. Respirar. Não transborde agora, lembre-se do diadema brilhante, das pedrinhas, das conchinhas, lembre-se do mar. Conte até 10. Expirar. Repetindo até a exaustão como um mantra.
O que eu posso fazer em 10 minutos? Salvar 10 vidas? Escrever 10 contos que se resumiriam em uma sentença apenas? Saltar 10 vezes no abismo? Destruir 10 sonhos ou mais... O que eu posso fazer em 10 anos? [...]
00:21:34, uma pequena luminária reflete espectros na parede a frente a cama de Lizzie.
, Poxa, Lizzie... nós temos uma festa, Julian disse que ficaria muito aborrecido se você não fosse. Ele ama você, sua tolinha! Venha cá... "Dear Prudence, don't you come out to play...?"
( Eu sempre disse que ele não devia me amar, como se eu pudesse impedir que alguém me desse o que eu neguei aos outros e a mim "uma oportunidade de amor, não o grande amor em garrafais, mas um amor fácil, amor de pizza, cerveja aos fins de semana, vinho nos aniversários, rapidinhas no banco de trás do carro, mas eu não quero mais viver descartando pessoas como descarto sapatos com saltos desgastados, não mais)
- Diz pra ele que eu estava indisposta, que hoje trabalhei um bocado e que ainda tive que ir pro lançamento do romance da Sylvia... Faz isso por mim, por favor.
(Ela tem medo de se apaixonar e deixar de ser uma eterna Eleanor Rigby, ela não quer se envolver porque acha que não é digna de amor ou capaz de amar)
-Você precisa sair, essa vida completamente regrada vai acabar de matando. Precisa ver que dentro das outras pessoas também há sangue, precisa ver gente jovem e viva, como você. Não mate sua juventude, não enquanto pode gastá-la.
(Porque eu tenho que aguentar essa mentira como se fosse o único modo de vida, porque eu não posso escolher a vida, dos marginais, das putas, dos sábios e dos santos, porque eles vivem melhor do que nós... porque nós vivemos comendo a vida sem ter apetite, porque nos empurram essa vida agitada como um prato de mingau nojento que temos que enfiar goela a baixo e vomitar baixinho nos banheiros imundos das rodoviárias, e nossas mãos estão cheirando a notas sem valor, a orgasmos sem sentidos, nossa vida tá cheirando a boeiro, a esgoto... uma vida vivida sem saber que não estava vivendo, eu não estava vivendo)
-Eu não vou, Cleo... eu ando muito distante de mim, vivendo rápido demais, quero fazer mais companhia a mim mesma, preciso cuidar de mim.
-E um amor novinho em folha não está nos seus planos? O Julian?
-Um amor não devia estar nos planos de ninguém, porque não é o que importa, nunca foi.
(Por que essa fome desesperada por encontrar em outro o que deviamos saciar em nós mesmos? Porque essa vontade insana de se encontrar? E frequentemente se encontrar apenas pra se perder, apenas pra trocar olhares furtivos, pra trocar fluidos e palavras fáceis, meu deus, como trocamos palavras fáceis, como não cuidamos de nós, como não cuidamos do outro, como somos baixos, vils e levianos, eu não quero ser leviana, mas eu também já não sei o que quero ser)
-O tempo está acabando, Lizzie, você sabe que vai morrer.
VOCÊ SABE QUE VAI MORRER
(Eu sei que vou morrer... e isso só me faz fraquejar mais, entre querer esta vida de vitrine, este modelo falso de felicidade, essa alegria comprada, barata e nojenta, ou querer sorrir pelo menos uma vez por genuína felicidade e não ser crucificada por estar dizendo a verdade, ser recompensada com outros mil sorrisos sinceros, não ferir e não ser mais ferida, então eu morreria em estado de graça, e qualquer coisa que se faça em estado de graça, é coisa santa, é coisa que não é desse mundo e deve ser respeitada, com o silêncio)
-Me respeite e lembre-se de mim com o seu silêncio, eu não quero que me entenda, quero que me dê a graça-além-da-compreensão que é o verbo não dito.
....
Essa madrugada não vai acabar nunca, ela vai ficar acontecendo em mim pelo resto da vida. Nossas memórias não acabam nunca, em algum lugar elas ainda estão acontecendo e vão acontecer enquanto restar alguém que recorde. Nós morremos, mas o que vivemos fica, não é assim? E eu estou presa nestes quadros tristes, nestes painéis alegres... entre uma flor e uma lágrima, porque ambas são lindas. Eu estou parada em todas as ruas que já passei e nas cores que vesti ainda as visto hoje, e ainda guardo o sabor das bocas, das peles, das luas... Infinitas.
Qual é a cor do infinito? Quanto tempo a gente demora num abraço? Quantas lágrimas são necessárias pra descascar a pele ao lado do nariz? Por que a gente treme? Por que o infinito não tem adjetivo? Porque ele não tem qualidades e defeitos... porque ele não deve explicações a nenhum Susserano, porque ele É.
Dentro dessa madrugada que não acaba nunca, eu vejo rostos conhecidos e outros nem tanto, e todos estão perto mas distantes, estão dentro de suas próprias madrugadas que não acabam nunca. É ali que a vida acontece e eu quero agora mais do que antes, acumular madrugadas e mais madrugadas.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Além do gosto da eternidade
So, tell me how long
Before the last one?
And tell me how long
Before the right one?
The story is old - I know
But it goes on
The story is old - I know
But it goes on
The Smiths Então vai lá espatifar teu coração contra a parede, buscar consolo a tua dor em outras dores menos piegas, compor samba até de madrugada e ir dormir com gosto de vômito e de solidão na boca. Vai imaginar que de longe alguém te olha e te cuida e te estende a mão pra atravessar a vida, vai fingir que no fim da lida não tem dois olhos de lobo pra te devorar. Vai enfrentar a derrocada sorrindo e tentando sonhar, porque os sonhos não vem quando o pesadelo te espera ao acordar e depois não diga que não avisei. Não diga nunca que eu não avisei. Porque eu não te empedi de cair apenas pra que pudesse te virar com o chão e levantar sozinho e levantar pra ver a rua, pra cair de novo e sentir o gosto da chuva no asfalto. A chuva no asfalto, a tarde cor-de-rosa, as flores caindo e eu me sentindo em pleno estado bossa nova da alma, agradecendo ao feng shui, fazendo coroa de flores pra Oxum, costurando os vestidos de Iemanjá, rezando prece miúda "Mãezinha me devolva ao mar que eu não sei lidar com esta outra água salgada, me traga de volta as pérolas, mãezinha".
Então vai procurar o gosto sempre ambíguo do mar e da tormenta em outras bocas menos ácidas, tantas vezes te disse: Filho, essas paixões violentas tem fins violentos, vocêvairessecarmorreresvairsangrar até não restar nem pó dessa tua prepotência de criatura solitária. Quem vai te aplaudir as glórias, agradecer os empréstimos e favores, te lavar a cara e dizer que sente tua falta quando tiveres noventa anos? Bom seria se morresses agora, ali mesmo naquele avenida suja com cheiro de cigarro barato e palavras facéis, que um carro em alto velocidade esmagasse teu crânio e não restasse nada dos teus pensamentos, morrer é fácil. Eu vivia repetindo como um mantra nos tempos difíceis que tudo isso pelo o que você está passando é fácil, a gente se acostuma a muita coisa, meu caro.
Porque eu queria mesmo ser um mensageiro e desejava (como eu desejava) que todas as noticias fossem boas, como dizia a canção na rádio do carro. Mas eu corri rápido demais, criança, eu corri mais do que pude e menos do que precisava, sempre é menos do que eu precisava, sempre o gosto do melhor morango poderia ser melhor, aquele gosto além da perfeição, aquele gosto que cá pra mim beira ao contato com a eternidade.
Não te acanhes por sobreviver, eu sobrevivo a esta carne que me é estranha e estrangeira a todo santo dia, eu sobrevivo a minha própria repulsa por mim toda vez que levanto de manhã e só me resta da véspera a culpa e o rímel que delimitou o espaço das lágrimas, o caminho das lágrimas e da minha sonolência. Eu não sou uma vítima, cara, eu sou uma escrava deste covil sujo, sou uma criatura que nasceu mesmo neste limo, neste manicômio a céu aberto. Eu não quero explicações que não explicam o que eu sinto e nem palavras cegas que esbarram na boa moral e nos príncipios. Antes de querer isso tudo, prefiro não querer porra nenhuma e que essa porra seja no mínimo autêntica, espessa, doentia e letal.
Mas vai, segue teu caminho carregando cruzes que não são tuas, procurando um muro de lamentações que vai te dar o caminho, mesmo que saiba de antemão que o caminho não existe e o que você vier a encontrar é só uma promessa de caminho. Vai, se joga na vida como quem perde e sorri, como quem ama e mata o amor com facadas ao som de blues numa noite de quarta, sem química, numa noite de quarta sem química.
Vai ficar parado na mesma esquina pra sempre esperando o sapo ou a sapa que passar, vai ficar parado no tempo, naquele mesmo e maldito dia. Vai contar as horas das demoras dos outros de ti, vai dizer que eu não avisei, que não alertei e não fui sincera, mas eu fui... De pouca coisa que fui integralmente, lembrei-me de manter a sinceridade, falseei muitos príncipios, burlei regras internas até o cansaço dos ossos, mas mantive a fidelidade às minhas palavras, porque só elas sobreviverão a mim, quando eu estiver ne Terra dos sem sapatos e sem riquezas.
O que eu queria agora era chegar ao estado de nada querer e nada esperar, nem de mim, nem das pessoas, nem do sistema (alguém espera ainda?), nem de Deus. Não esperar é viver, não indagar ao vento por que ele existe é a nossa maior forma de comungar com ele. Aceitar que o que existe existe simplesmente sem necessitar de entendimentos. Você lê Caeiro, meu filho? Não?! Não sabe o bem que está perdendo, fica aí perdendo tua vida com essas putas que só te vendem o riso e a buceta enquanto poderias mergulhar no mais profundo mistério que é viver. O mais profundo mistério que é viver. Mergulhar sem restrinções no abismo, não saber o que esperar, viver sem métodos.
Será que eu ainda posso, meu filho? Será que essa parte de mim que ainda sonha com príncipes disfarçados, duelos de espadas, feitiços e castelos ainda respira forte? Será que já não respirei um naco muito forte de vida real? Será que eu desliguei a televisão quando sai de casa? E o forno? se tudo explodisse, eu não ficaria com nada... Mas o que é ficar? O que é nada? Ninguém fica por muito tempo, todos estamos indo embora o tempo todo e quando eu partir vai ser pra ficar partindo sempre, eu não vou parar não, meu filho, porque não paramos nunca. Esse mundo onde você está, este céu onde estamos todos nunca para de girar, deixa eu girar do meu jeito, deixa eu sacudir minhas saias da asa do vento. Não quero ver só a doença desta cidade prostituta, este caos urbanóide que se assemelha aos meus pensamentos. Eu queria olhar no fundo dos olhos desta cidade e impedir que doença se espalhasse mas é tarde demais até pra mim. E você, calado... sempre tão calado, acha que vai fugir do tempo? Acha que suas lógicas e sofismas fajutos vão escapar das mãos da velhice. Acredite, pro lado de cá só tem desorientação, nego. Ninguém vai te aliviar as chagas, cê vai morrer seco e cego já te disse. Não adianta, pode escolher entre poupar tua vida ou gastá-la, eu vivo entre esses extremos. Os que poupam a vida, são esses santos de papel que encontro todo dia no mercado enquanto compro o meu almoço pós ressaca, eles nem sabem que escolheram poupar a vida, eles nem sabem que isso é poupar a alma, mas a alma já tá consumida, eles vão chegar aos 80 e quando estiverem no meio de uma oração ou de uma refeição balanceada vão desejar ter vivido as orgias que não quiseram viver quando puderem. Relaxa, nós somos tão jovens. Mais jovens do que nunca mas menos do que ontem, a solidão medonha que vai te consumir já bate na porta, este fio branco na sua mão, esse cansaço nos ombros, tudo isso vai ficar pior, sempre pior e por isso mesmo muito melhor. E tem aqueles que decidem gastar a vida, e o ciclo não é menos triste. Vodca -comer bucetas frescas - chupar paus meia bomba - vomitar - small talks - trabalhar de terno e gravata - tédio - rua - casa - rua - casa - tédio - vodca ... É um ciclo onde você cai e não consegue sair, não consegue gritar, não consegue salvar a vida já gasta, e de repente aquela centelha de dentro começa a se apagar e antes que você perceba é seis da tarde, antes mesmo que você se dê conta você tem trinta anos, quarenta, cinquenta, sessenta, e o que você busca? Em que acredita? É o suficiente ter se entregado ao abismo? Você encontrou o que disse uma vez que precisava encontrar? A gente não encontra sentido nenhum gastando ou poupando a vida. E todos sabemos, mas acostumamos a pensar que não, comigo vai ser diferente.
Não foi assim com suas ilusões amorosas? Não existe amor, cara, só existe a ilusão do amor. Amor verdadeiro eu só conheço os platônicos. Quando vezes você fez juras de amor que se desfolharam no outro dia? No turbilhão de uma dança ou afogadas nos peitos de uma garçonete de boate? Quantas vezes você ouviu meio tímido, como se fosse um segredo muito raro que alguém te amava? ALGUÉM TE AMAVA! E se sentiu especial (que palavra ingênua), menos "unloveable" e se sentiu ridículo porque viu que seu amor era como o amor de todos, era mesquinho e você julgava-se capaz de amar sem mesquinhez, sem orgulho, sem posses desnecessárias, como sentiu-se quando pela primeira vez percebeu que era humano? Que não era santo, que não era puro, que não era especial. Porque cabe dizer que eu julguei ser especial antes de sentir o gosto do ácido na língua, antes de sentir o esperma quente na garganta, antes de amar ao ódio e odiar ao amor, eu me sentia especial e "unloveable" e sentir isso me fazia sorrir, eu era um prêmio escondido numa ilha distante, uma princesa aprisionada aos grilhões do seu próprio anseio por se sentir diferente, autêntica. Tentamos muito ser autênticos, não você ou eu.. aliás, não apenas nós que aceitamos isso, mas até os que não dizem. Quantas vezes na minha orelha excitada disseram frases de inflamar os orgãos internos? Eu te amo. A mentira que parece ser verdade porque um dia ela é, mas muda. Muda como as folhagens acima das rochas eternas, muda como o amor de Cathy por Linton. Porque ela nunca poderia amar um homem tão dócil, tão civilizado, tão criado dentro das regras do bem, não.
E o amor-rocha eterna? Onde ele está que eu não vejo? Eu não me sinto capaz de sentir mais nada agora. Ah, rapaz... eu me apaixono tanto pela minha alma toda vez que imagino o Heathcliff, porque ele está em mim não como um prazer, mas como um tumor maligno. Sua cólera cega, sua convicção inabalável. Ninguém tem convicções inabaláveis hoje... Ai de mim, que já julguei tê-las, ai de mim que vi uma a uma deslizar pelos meus olhos cansados e tomar ao chão como um castelo de cartas. Convicções são facilmente quebradas quando a paixão cega as almas santas. A paixão sempre escolhe as almas santas para tentar, para destilar sua perigosa astúcias nas veias dos mais fortes mas que parecem fracos. Quantas vezes você quis olhar além do fundo, além da retina, da pupila, da íris dos olhos de alguém, além das células e atómos e dizer fundo-fundo: "eu não tenho muita coisa, não tenho bagagens, nem horários, nem muita vida aqui dentro... mas o que eu tenho é teu". O que eu tenho é teu!
E quem nos entenderia na multidão? Eu tô na multidão, eu tô girando com a vida enquanto posso girar. Eu tô enfeitando meus cabelos e salpicando minha cara pra minha mãe Oxum. Eu tô guardando conchinhas pra ficar perto do mar, pra nunca perder quem eu sou, nós criaturas do mar não podemos passar muito tempo longe dos braços da Mãe, senão a gente morre de uma solidão cruel que entende quem já foi sereia, quem já teve as ondas como vestido e o céu como espelho. Mas eu tô sozinha na multidão, será que não vê? Você também tá sozinho na multidão. Nós somos apenas barcos que se cruzam no oceano da eternidade e depois de um leve acenar de mão se vão sem nunca mais se darem por si. Um dia eu cheguei a pensar que a minha solidão pudesse fazer companhia a tua, enquanto a gente tomava um chá ou tragava qualquer bobagem, mas solidões não se dão bem.
Eu ando pensando em como é bom estar na multidão e só ter um corpo e uma voz, não ter um nome, não ter um número, só estar ali, nós somos a multidão e a legião de demônios vive na multidão, vive dentro de nós. Mas eu não fujo, eu os convido pra jantar, pra dançar comigo, pra me acompanhar nos lugares onde a dor ameaça sair de dentro e uivar pra lua, nas horas insuportáveis é na presença deles que eu choro, mas não há lágrimas autênticas neste Vale de Lágrimas. São lágrimas repetidas, contadas, pré programadas, porque a sua dor pode ferir a sensibilidade alheia, poupemos o mundo das lágrimas que vem fundo, das lágrimas como poças que dessafogamos nos travesseiros ébrios e que caem nos ouvidos para que não ouçamos a música feliz que tocam ao lado. Chega de olhos vermelhos, você devia saber disso, a alegria é uma obrigação pelo menos até segunda ordem.
Mesmo que tudo isso não faça sentido, mesmo que o trem passe muito rápido, mesmo que você veja o grande amor da sua vida indo embora e não queria mais que ele fique, mesmo que os morangos continuem com esse gosto de quase-perfeição, ainda sim, eu terei palavras pra esses dias de domingo quando não é domingo e pra essas procuras insaciáveis e essa fome de vida que te aflige. Você pode falar comigo, mesmo que eu não seja a mesma, porque eu nunca sou o que era ontem, mesmo que eu quisesse eu não teria força pra negar uma prosa sobre qualquer bobagem, sem bobagens metereológicas, eu aceito o que vier. No fim, talvez eu tenho mentido pra mim mesma, quando você já viu o fundo do poço de perto, quando já olhou os olhos do monstro do armário e sobreviveu a isso, quando seus castelos de ilusão já se esvairam sob seus olhos estupefatos, aí então, encara esta medonha solidão e a convide para um chá de hortelã, tenho fé e Lennon também tinha que o tempo todo e em todos os lugares as coisas estão melhorando, estão melhorando e se mesmo com essas palavras tiradas do fundo da garganta não acreditar em mim, apenas sorria de volta quando te sorrirem, tome o seu tempo e o torne melhor, o mundo continua girando e nós estamos eternamente na multidão. As vezes, por algum motivo incompreensível, alguém sai da turba e se torna autêntico, nesse alguém depositamos toda a nossa crença, todo o nosso passado de rejeições e fados equivocados, mas este alguém nunca vai suprir nossa fome de sabor-além-do-sabor, por isso aquieta teu coração, deixa os navios passarem por ti e seguirem sozinhos no breu. A gente procura um farol, somos todos iguais, rapaz, cê já devia saber disso. Eu fico por aqui que a noite é longa e a vida é pouca, daqui a pouco amanhece e a dor, a eternidade e a fé morrem junto com a última estrela.
Ps: Este texto é dedicado à Marina Veit (que me cobrou por estar em pouca atividade literária), ao meus Mestres Jack e Gaspar e a todos que encontrem algo além do gosto da eternidade nele, Luz!
Ps: Este texto é dedicado à Marina Veit (que me cobrou por estar em pouca atividade literária), ao meus Mestres Jack e Gaspar e a todos que encontrem algo além do gosto da eternidade nele, Luz!
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Antes de partir
Ps: Para ler ouvindo Nana Caymmi
"Num dia azul de verão sinto o vento há folhas no meu coração é o tempo.
Recordo um amor que perdi, ele ri... Diz que somos iguais, se eu notei, pois não sabe fica e eu também não sei
E gira em volta de mim.
Sussurra que apaga os caminhos, que amores terminam no escuro... Sozinhos"
Eu sei que estou morrendo. [...]
Eu sempre quis começar um texto assim... mas por dentro, eu sabia que seria uma bruta mentira.
Mas eu me entrego agora ao som da canção que diz que o Céu sabe o quão miserável eu estou agora.
Daqui a um tempo eu terei ido, sequer sei se suportarei a primavera e suas cores. Será que sobreviverei ao cheiro de gente alegre e as músicas de esperança no Natal? O deserto não tem fim, o oceano muito menos.
Eu tenho que parar subitamente a escrita porque as mãos tremem, o pulmão fraqueja, o peito arfa.
Ontem eu sangrei. Tingi as paredes com meu sangue impróprio e chorei mais vermelho do que nunca. E se eu não acordar? Terei dito o que deveria, terei amado o suficiente? Terei sido justa com os que me foram justos? Ou terei feito tudo do avesso sem perceber que o avesso as vezes é o lado correto? Você-é-muito-jovem-pra-toda-essa-convicção-pra-toda-essa-raiva-pra-todo-esse-amor-incondicional. Estou morrendo e não tenho dúvida nenhuma, tenho apenas fragmentos de certeza, fragmentos ásperos que eu pego no chão pra não deixar ninguém pisar neste naco de fé que ainda guardo pros dias chuvosos. Eu ando me ardendo tanto e repetindo tanto pra mim mesma que "morrer é fácil", é fácil.
Ultimamente eu tenho feito muitos abortos e não pense que não dói, que não queima, que não inflama.
E quanto mais eu tentei negar minhas ardências mais elas me ensandeciam. Eu aceito a tempestade, a borrasca, a fúria, todos os pecados, todas as lágrimas, porque eu sei que estou na linha de chegada. Eu vou morrer pro mundo e já tenho data marcada, eu vou renascer entre ciprestes e flores selvagens, eu vou renunciar a tudo que o mundo oferece e também as suas duras cruzes, suas lágrimas de sal, seus calvários. Antes de morrer pura, sã e feliz, eu preciso tirar toda a culpa, a mágoa e o rancor de dentro das entranhas, tirar todo este doente-podre-louco-sujo de dentro de mim.
Porque minha busca não é cruel, não é dizimadora. Minha busca é pela luz, é pela redenção e quem parte assim, parte feliz, parte com a força dos que sabem que existe mais do que a mesquinhez e desolação no mundo.
É na mais completa falta de alento que eu encontro a luz, é na maior orgia profana que eu descubro que minha alma está além de qualquer suspeita, é santa demais pra esse mundo. É no meio da guerra que eu descubro um campo de morangos. É pra esse lugar cheio de vida que eu vou, mesmo já estando fatalmente morta.
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Ophelia's Farewell
" But for roses, those days are lifetimes."
Hamlet, meu amor... meu assassino.
Você teve tempo de se despedir do rio? Eu me despedirei, me despedirei em breve.
Você teve tempo de dizer adeus ao oceano? Será que ele pode te trazer de volta?
Você disse adeus ao meu pai enquanto o mandava pra onde ele está agora? Ele disse que você não se despediu, ele me disse que você simplesmente o matou. Eu tenho te contemplado através das cortinas da minha mente e eu consigo me lembrar de quando tudo o que eu podia ver era você. Agora o sol e a lua cresceram de maneira selvagem e eu vejo estrelas através do teto e percebo quão fraco e difuso meu mundo se tornou. Eu lembro do seu pai fazendo peripécias, jogando cartas com Yorick, conversando com outros anciões e não consigo descobrir se o fantasma é ele ou você.
Todos aqui parecem tão lentos, tão imóveis... É como viver entre estátuas, mas estátuas são consistentes e não cheiram a mentira. Ah, Hamlet, quando você partiu, tenho certeza que também parti. Será que sou um fantasma? Obviamente não. Claro que eu entendo o que os outros fantasmas dizem, mas sua mãe, que com toda certeza é uma alma perdida, ela soa totalmente incompreensível aos meus ouvidos.
Eu acho que agora consigo compreendê-lo. Meu pai ainda não pode perdoá-lo, embora eu tenha tentado convencê-lo. Ele costuma dizer que os mortos não esquecem nunca um ultraje. Mas como ele pode estar morto se consegue falar comigo e me tocar? Mas talvez ele esteja. Eu também conversei como o rei, seu tio. E ele está morto também, mesmo que agindo como se não estivesse.
Uma despedida tem que ser sempre triste? Como pode ser triste alguém com violetas nas mãos? E os lírios brancos que fazem os funerais serem tão belos estão todos ao meu redor.
Eu tenho que atravessar o rio, não, muito além do rio... Mas talvez um dia eu possa encontrá-lo novamente.
Lembro-me das rosas que vivem apenas um dia. Eu vivi tanto que sequer me lembro o que aconteceu nos últimos dias.
Mas para as rosas estes dias seriam uma vida inteira.
As vezes, eu me sinto só, mas sou uma dessas rosas de um dia e nada mais.
Você voltará um dia, Hamlet? Meu Hamlet. Talvez eu não esteja aqui se isso acontecer... Talvez eu já tenha partido.
Adeus, Hamlet, amante, assassino, vingador, querido eternamente imperdoável!
Eu devo ir além do rio.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Chocolate Amargo
Quando ele abriu sem ansiedade o pacote embrulhado em veludo verde nas suas mãos só encontrou um chocolate amargo e uma carta. Com as mãos ainda frias, pegou a carta entre os dedos e pôs se a ler. Linha-a-linha:
"Ok, isso vai junto com um chocolate amargo, porque eu quero que sinta o gosto de tudo aquilo que eu vivo.
Foi amargo. Foram amargas todas as lágrimas choradas por ninguém. Lembra? McCartney cantava com sua voz doce no meu ouvido "And in her eyes you see nothing, no sign of love behind the tears cried for no one".
Foram amargos os domingos, as segundas, as quartas. Principalmente as quartas. As mãos que curam são as mesmas que destroem. O vento refrescante de um dia de Setembro também é a força motriz de um tornado. Não posso te dizer nada que não tenha dito, não posso te dizer nada. Não posso te dizer sobre mim o que essa carta não diz. É segredo. É segredo de gente como eu que inventou que pra ser feliz é preciso rabiscar na vida, colorir na vida, o que quer que isso represente.
Eu ando sentindo esse fundinho doce no final do amargo que é viver.
Eu venho andando por muitas estradas só pra sentir o vento bater nos meus cabelos com cheiro de areia e algas do mar (e você nem sabe).
Eu venho caminhando por ruas com canteiros de flores (onde você não passa).
Eu venho rindo de peixes nadando-eterno em aquários imaginários e reais (você nem imagina).
Eu venho sendo ridícula pra quem eu amo, dançando até criar calo e me sujando muito ao comer (você nem nota)
Eu venho retirando os espinhos do peito, recebendo abraços de gente de carne e osso e sangue correndo limpo nas veias.
Eu venho me permitindo ser estúpida, mas não fraca. Ser agora, sem ser inconsequência.
Eu venho pegando nas mãos essa coisa viva que é o agora.
Venho me sentido amada, curiosa, forte como um touro livre. E livre como uma borboleta no infinito de um dia.
E esse infinito é azul, como o céu se estendendo até a curva nessa estrada de montanhas verdes.
Não me faça perguntas complicadas, minha mente é simples e é pagã.
Simplesmente não me faça perguntas, uma vez que não quer ouvir mentiras.
Eu tenho sentido calor humano como nunca antes, eu tenho me sentido embriagada como Rimbaud e tão a favor da poesia que domina quanto ele.
Eu me sinto viva. Eu presto atenção em cada respiração, em cada passo, em cada sorriso descompromissado que me dão. Eu nada devo ao mundo, eu nada devo aos outros. E o que devo a mim, estou pagando mesmo que a prazos.
Já não peço desculpas pelo que sou, já não quero pensar no que eu poderia ter sido e não fui. Sou apenas uma tecelã do agora, é essa a minha matéria prima. Como na antiga benção celta, o que eu peço é pouco, mas pra quem entende, é muito. Algum riso pra salvar do vazio, alguma embriaguez pra não ficar sisudo demais, abraços doloridos dos que amamos e não abandonamos nunca, beijos verdadeiros pra florir a vida, fogueiras pra aquecer no inverno e pernas pra correr no verão. E que o vento sempre sopre ao meu favor e quando não soprar, que eu saiba dançar de acordo com seu ritmo. Dançar de acordo com o ritmo é uma daquelas lições complicadas que tentam nos ensinar desde a mais tenra idade. Um dia você aprende, todos nós aprendemos um dia. Tenho pensado também que continuo na linha dos que-não-querem-ferir-ninguém mas aprendi que um pouco de maldade não faz mal. Maldade, não. Malícia, sim! Uma gota de malícia é como uma essência com a qual temos que nos perfumar. Não dói. É isso, crescer machuca mas não dói.
Isso é tudo sobre mim, tudo que envolva carros correndo muito rápido, bebidas fortes em noites quentes, pessoas de verdade, músicas alucinógenas, arte crua e subversiva, tudo isso é sobre mim. Tudo sobre perigo, tudo sobre absurdo. Tudo sobre o risco e o medo. E a paranóia e a beleza. Não há mais nada a se saber sobre mim."
Ele havia jogado o toco de cigarro fora há tempos e mesmo assim um gosto amargo tomava conta de sua boca. Amargo como um copo de café frio esquecido na escrivaninha. Amargo como um chocolate que era pra ser doce.
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