quinta-feira, 15 de março de 2012

Não corra. Não grite. Não Morra. - Parte II


Ele tinha 17 anos quando fora levado pra lá.
Asseguraram que ali ficaria seguro e protegido do mundo.
Mas desde o ínicio ele sabia que era uma mentira.
Como todas as mentiras bem contadas, era bom acreditar, era suave e reconfortante mas logo a natureza assustadora do lugar começaria a dar as caras.
Teodoro tinha sido considerado uma criança especial. Dons artísticos extraordinários e uma incrível capacidade para cálculos também. Tocava piano e animava a todos com seus ditos espirituosos. Um amor de criança, mesmo tendo QI elevado.
Ele tinha também muitos amigos... Sua brincadeira favorita era esconde-esconde. O saldo depois de dias banhados a groselha e torradas com geléia de uva enquanto brincavam na casa de dois andares eram alguns joelhos esfolados e bochechas rosadas de contentamento.
Teodoro conheceu os homens de branco quando entrou na adolescência. Seus amigos diziam que eles não eram confiáveis e que talvez eles o raptassem e dessa forma, ele nunca mais veria sua família e seus amigos.
Inicialmente, ele não prestou muita atenção aos conselhos e apelos, as vezes inflamados, dos amigos. Mas não custou muito tempo pra que o que era apenas especulação ganhasse formas de horror e pânico.

Num dia qualquer de maio de 1956, eles vieram. De branco. A maldita cor que continha todas as outras e por isso, Teo a achava a mais prepotente das cores.
Ele prefiria o vermelho-vinho-doença ou o preto-noturno-solidão, mas o seu pesadelo vestia branco, disfarçando-se de pureza.
Arrancaram-no de sua casa, seus amigos gritavam. Gritos de dor, dor quase física. Era como se tirassem algo de muito caro de dentro da epiderme de todos.
Ele chorou, mas não soltou lágrima nenhuma. A noite fazia urros macabros e o ar frio entrava pela porta do lugar onde ele foi parar.
Toda vez que ele tentava se comunicar com alguém, um ferro quente marcava-lhe as costas. Era pra "lembrar que o silêncio ali valia mais que diamante" - ou pelo menos foi o que lhe dissera o aparentemente menos cruel do grupo.
Por muito tempo, ele não compreendeu o que se passava e em completa solidão, tentava entender porque o haviam aprisionado e porque o feriam tanto. Depois vieram as altas doses de líquidos de todas as cores e pílulas indigestas. Diziam que era para o bem dele. Mas nada naquele lugar inspirava bondade.


Aparições.

A primeira vez que teve contato com um de seus amigos, Teo ficou estupefato. Julgava-se louco. Como vocês podem estar aqui? Eles os trouxeram pra cá também? A responda foi afirmativa. Também eles foram arrancados de seus lares. Precisamos voltar pra casa! O que eles fazem é errado. Eu ouvi falar de experiências... É ilegal! É insano.


Silêncio. Dor. Luz. Branco.

- Você sabe por que está aqui, não é Teo? Preferimos não assustá-los. Mas você é um dos nossos mais complicados... Eu realmente queria não ter que ser sincero com você, mas não está me deixando escolhas. Nós não somos monstros, você sabe. A verdadeira ameaça pra você são seus amigos. Você sabe que eles não são reais, não? Eles são extensões suas. Desejos inacabados. São parte de você. Você os criou. Por isso, eles estão aqui.
Seus pais te enviaram pra cá há muito tempo. Você era só uma criança autista, mas seu quadro se agravou. Você é esquizofrênico, Teo.

O branco se fez vermelho.

Como Napoleão, Teo conseguiu sua liberdade. Assim como a de seus amigos. Eles estão livres. E assim como me visitam pro chá, podem um dia chegarem a visitar você. Vocês os deixaria entrar?

Não corra. Não grite. Não Morra. - Parte I



"Ah, mas essas coisas não existem! Muito menos haveriam de acontecer justo num lugar como esse, tão seguro."

- Como se não acontecessem crimes em locais seguros. -

"Nós não vamos morrer. Somos íntegros, quitamos nossas dívidas com os inquilinos. Nunca destratamos mulheres e crianças e só lutamos com homens quando nossa honra é agredida de maneira atroz, tão atroz a ponto de libertar do nosso interior este monstro insaciável por vingança. Caso contrário, ele continuaria adormecido."

- Como se os inocentes tivessem sempre chances de escapar pra fora do fio da navalha. Como se o mundo fosse tão justo quanto um bom juíz de paz que entregasse ao Tártaro apenas os vilões. Como se aqueles que carregam a cruz ao peito e a palavra divina aos lábios estivessem insentos de toda a mácula da torpeza humana. -

"Precisamos permanacer aqui. Calmos. Quietos. Parados. Ninguém de fora pode nos ver aqui e nem nos causar mal."

- Você acaso se faz de tolo? Não enxerga o mal que nos espreita? Todo esse lugar tem cheiro de morte e putrefação. Nós seremos os próximos! Precisamos sair daqui enquanto não desconfiam que temos este intento. Por favor, me escute, ao menos essa vez... -

Escuro. Sufoco. Engasgo. Pigarro. Alívio. Escuro.

Agora ele estava numa sala.
Lembrava-se vagamente de já estar estado ali. Claro, aquela não era a primeira vez que tinha incitado companheiros para se rebelarem. Ele não se considerava o melhor por isso, nem líder ou uma figura de destaque no meio de alguns medrosos e medíocres, não. Nem passava pela cabeça dele que sua vontade de fugir fosse motivo de orgulho. Era normal que assim fosse. Pra ele, nada parecia mais incoerente do que estar preso sem ansiar a liberdade. Assim como se por acaso lhe ocorresse de cortar-se sem querer e imediatamente retirasse o braço pra não ferir-se mais. Seria natural para um homem que deixassem que lhe cortassem a carne e nada fazer exceto assistir a sangria? Porque pra ele, era exatamente isso que seus caros colegas faziam: Assistir a sangria - E mais! Era como se pedissem que enfiassem a faca com mais brutalidade e a deixassem ali. Nada de estancar, nada de emplastos. Queriam a dor viva.
E, bem, ele convivera com essa dor por muito tempo, quase que a conhecia sem suas firulas e maquiagens. Ele a viu nua em pelo, como nenhum outro gostaria. Ele encarou seus olhos de coruja quando lançado a noite longa e fria, não restava nada senão tocar o tango argentino. E não gosto do que viu.
Por isso, é fácil entender os motivos que ele tinha pra se rebelar contra o comodismo enervante de todos ao seu redor. A liberdade existia pra que lutassem por ela, de espada em punho. Ninguém poderia ser feliz se privado do livre uso de seus próprios passos.

A sala. Era úmida, como haveria de ser. Não tinha iluminação alguma. O feixe de luz que a cortava e dividia em sombra e réstia de clarão era oriundo do rodapé da porta, porta de aço. Dura, firme, intransponível (diziam). Ele lá esteve por muitas vezes, sempre que os homens de branco ouviam algo sobre liberdade ou alguma ameaça do gênero, eles o jogavam lá.
Ele sabia que não tinha sido o único a pisar ali. O chão era todo marcado com pequenos rabiscos. Poemas de Wilde, Poe, Milton. Datas aleatórias. Contas. Nomes de mulheres. Juras de amor, cartas suícidas e Odes a liberdade. Claro. Os heróis que por ali haviam passado deveriam ser como ele. Um coringa num jogo de baralho. Aquele que sabia que está inserido numa realidade que lhe tira do jogo, que lhe faz rastejar.

(13 - 05 - 1956)

Um segundo é o suficiente pra que tudo ao seu redor mude, não? É assim que todos gostam de pensar. Um segundo. Um tiro. Um acidente fatal. Algo que nunca deveria ter acontecido.
Morrer é fácil. Um segundo é a morte de qualquer coisa. A morte é fácil, quase nascimento, quando é com os outros. Mas você nunca desejaria, de fato, que um segundo fosse o responsável por você perder a sua vida. Ou pelo menos a vida que você costumava conhecer.
Foi necessário apenas um segundo pra que Teodoro perdesse a memória e perdesse aquilo que mais prezava, a sua liberdade.
Ele foi levado pelos homens de branco. Muito se falava deles, mas ele nunca tivera a chance de ter com eles, a mínima conversa. Julgara tê-los visto uma vez no circo quando tinha 6 anos. Nesta ocasião, avistara um grupo de branco, com sorrisos medonhos parados atrás do picadeiro. Como a lembrança era rasa, esvoaçante e remota, decidira por pensar que não havia passado de um sonho. Mas o sonho de menino mais tarde se tornaria um pesadelo. Um pesadelo de congelar o sangue dentro das veias e derreter a retina dos olhos.

terça-feira, 13 de março de 2012

Marina




Mar e rima.
Tarde de sol e festa,
Eu te desenho com as mãos já gastas,
pela areia fina.
O azul dos olhos que reflete o céu sem nuvens,
O azul que se espelha nas ondas,
Onde se espalham suas mãos de menina.
E a onda se faz amiga da poesia.
Da poesia que existe em tudo que está,
Em tudo que a rodeia.
Nos peixes da costa que vem brincar entre teus pés.
Na canção que te eterniza, na canção dos pássaros,
Das ilhas celestes ao infinito.
O infinito cabe na rima que te eterniza.
Nas ondas do oceano, eu vejo a tua estória.
Envolta em mar, envolta em rima.
Tuas mãos tão brancas a recolher conchinhas.
A brincar com a vida, a jogar com a sorte.
Alegres estão os mares por estarem aos teus pés,
Tristonhos estão os campos, por teres sido arrancada de lá.
Flor de outono.
Tão rara e fugídia como as estrelas cadentes.
E quem sabe não veio do céu a estrela que tens entre as mãos?
E quem sabe não é do mar a estrela que guardas no coração?

terça-feira, 6 de março de 2012

Pausa



Acho curioso esta canção estar tocando justo agora... quando ela já não pode representar nada. O nada ainda está ali esperando na esquina.
Eu vesti tantas fantasias e tantas máscaras... Algumas, inclusive, podem me causar um bruta orgulho, um orgulho besta pra criança adormecida.
Andei com os pés na lama e não me sujei. Você sabe como é?
Não era ruim, não era bom. Era natural e qualquer coisa que consiga ser natural chega ao patamar de inexplicável e a gente bem que se contenta com tudo o que não pode entender.
Eu ando só à beira da vida. É muito mais fácil andar assim. É muito melhor não ter mão pra segurar. Ou pelo menos é o que me parecia.
Não quero lembrar dos olhos dela. Eu não vou lembrar dos olhos dela.
Eu não posso lembrar dos olhos dela.
Eu não sei o que dói mais: Essa ausência ou o retorno de tudo o que dói mais que ausência.
Talvez a ausência não seja a dor em si, mas o intervalo da dor.
A pausa dos sentidos.
O ponto pra respirar.
Mas o mar... o mar é feito de saudade e de pausas.