quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Antes de partir


Ps: Para ler ouvindo Nana Caymmi

"Num dia azul de verão sinto o vento há folhas no meu coração é o tempo.
Recordo um amor que perdi, ele ri... Diz que somos iguais, se eu notei, pois não sabe fica e eu também não sei
E gira em volta de mim.
Sussurra que apaga os caminhos, que amores terminam no escuro... Sozinhos"


Eu sei que estou morrendo. [...]

Eu sempre quis começar um texto assim... mas por dentro, eu sabia que seria uma bruta mentira.
Mas eu me entrego agora ao som da canção que diz  que o Céu sabe o quão miserável eu estou agora.
Daqui a um tempo eu terei ido, sequer sei se suportarei a primavera e suas cores. Será que sobreviverei ao cheiro de gente alegre e as músicas de esperança no Natal? O deserto não tem fim, o oceano muito menos.
Eu tenho que parar subitamente a escrita porque as mãos tremem, o pulmão fraqueja, o peito arfa.


Ontem eu sangrei. Tingi as paredes com meu sangue impróprio e chorei mais vermelho do que nunca. E se eu não acordar? Terei dito o que deveria, terei amado o suficiente? Terei sido justa com os que me foram justos? Ou terei feito tudo do avesso sem perceber que o avesso as vezes é o lado correto? Você-é-muito-jovem-pra-toda-essa-convicção-pra-toda-essa-raiva-pra-todo-esse-amor-incondicional. Estou morrendo e não tenho dúvida nenhuma, tenho apenas fragmentos de certeza, fragmentos ásperos que eu pego no chão pra não deixar ninguém pisar neste naco de fé que ainda guardo pros dias chuvosos. Eu ando me ardendo tanto e repetindo tanto pra mim mesma que "morrer é fácil", é fácil.


Ultimamente eu tenho feito muitos abortos e não pense que não dói, que não queima, que não inflama.
E quanto mais eu tentei negar minhas ardências mais elas me ensandeciam. Eu aceito a tempestade, a borrasca, a fúria, todos os pecados, todas as lágrimas, porque eu sei que estou na linha de chegada. Eu vou morrer pro mundo e já tenho data marcada, eu vou renascer entre ciprestes e flores selvagens, eu vou renunciar a tudo que o mundo oferece e também as suas duras cruzes, suas lágrimas de sal, seus calvários. Antes de morrer pura, sã e feliz, eu preciso tirar toda a culpa, a mágoa e o rancor de dentro das entranhas, tirar todo este doente-podre-louco-sujo de dentro de mim.
Porque minha busca não é cruel, não é dizimadora. Minha busca é pela luz, é pela redenção e quem parte assim, parte feliz, parte com a força dos que sabem que existe mais do que a mesquinhez e desolação no mundo.



É na mais completa falta de alento que eu encontro a luz, é na maior orgia profana que eu descubro que minha alma está além de qualquer suspeita, é santa demais pra esse mundo. É no meio da guerra que eu descubro um campo de morangos. É pra esse lugar cheio de vida que eu vou, mesmo já estando fatalmente morta.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Ophelia's Farewell

  


  " But for roses, those days are lifetimes."

Hamlet, meu amor... meu assassino.
Você teve tempo de se despedir do rio? Eu me despedirei, me despedirei em breve.
Você teve tempo de dizer adeus ao oceano? Será que ele pode te trazer de volta?
Você disse adeus ao meu pai enquanto o mandava pra onde ele está agora? Ele disse que você não se despediu, ele me disse que você simplesmente o matou. Eu tenho te contemplado através das cortinas da minha mente e eu consigo me lembrar de quando tudo o que eu podia ver era você. Agora o sol e a lua cresceram de maneira selvagem e eu vejo estrelas através do teto e percebo quão fraco e difuso meu mundo se tornou. Eu lembro do seu pai fazendo peripécias, jogando cartas com Yorick, conversando com outros anciões e não consigo descobrir se o fantasma é ele ou você.
Todos aqui parecem tão lentos, tão imóveis... É como viver entre estátuas, mas estátuas são consistentes e não cheiram a mentira. Ah, Hamlet, quando você partiu, tenho certeza que também parti. Será que sou um fantasma? Obviamente não. Claro que eu entendo o que os outros fantasmas dizem, mas sua mãe, que com toda certeza é uma alma perdida, ela soa totalmente incompreensível aos meus ouvidos.
Eu acho que agora consigo compreendê-lo. Meu pai ainda não pode perdoá-lo, embora eu tenha tentado convencê-lo. Ele costuma dizer que os mortos não esquecem nunca um ultraje. Mas como ele pode estar morto se consegue falar comigo e me tocar? Mas talvez ele esteja. Eu também conversei como o rei, seu tio. E ele está morto também, mesmo que agindo como se não estivesse. 
Uma despedida tem que ser sempre triste? Como pode ser triste alguém com violetas nas mãos? E os lírios brancos que fazem os funerais serem tão belos estão todos ao meu redor.
Eu tenho que atravessar o rio, não, muito além do rio... Mas talvez um dia eu possa encontrá-lo novamente.
Lembro-me das rosas que vivem apenas um dia. Eu vivi tanto que sequer me lembro o que aconteceu nos últimos dias.
Mas para as rosas estes dias seriam uma vida inteira.
As vezes, eu me sinto só, mas sou uma dessas rosas de um dia e nada mais.
Você voltará um dia, Hamlet? Meu Hamlet. Talvez eu não esteja aqui se isso acontecer... Talvez eu já tenha partido.
Adeus, Hamlet, amante, assassino, vingador, querido eternamente imperdoável!
Eu devo ir além do rio.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Chocolate Amargo



Quando ele abriu sem ansiedade o pacote embrulhado em veludo verde nas suas mãos só encontrou um chocolate amargo e uma carta. Com as mãos ainda frias, pegou a carta entre os dedos e pôs se a ler. Linha-a-linha:


"Ok, isso vai junto com um chocolate amargo, porque eu quero que sinta o gosto de tudo aquilo que eu vivo.
Foi amargo. Foram amargas todas as lágrimas choradas por ninguém. Lembra? McCartney cantava com sua voz doce no meu ouvido "And in her eyes you see nothing, no sign of love behind the tears cried for no one".
Foram amargos os domingos, as segundas, as quartas. Principalmente as quartas. As mãos que curam são as mesmas que destroem. O vento refrescante de um dia de Setembro também é a força motriz de um tornado. Não posso te dizer nada que não tenha dito, não posso te dizer nada. Não posso te dizer sobre mim o que essa carta não diz. É segredo. É segredo de gente como eu que inventou que pra ser feliz é preciso rabiscar na vida, colorir na vida, o que quer que isso represente.
Eu ando sentindo esse fundinho doce no final do amargo que é viver.
Eu venho andando por muitas estradas só pra sentir o vento bater nos meus cabelos com cheiro de areia e algas do mar (e você nem sabe).
Eu venho caminhando por ruas com canteiros de flores (onde você não passa).
Eu venho rindo de peixes nadando-eterno em aquários imaginários e reais (você nem imagina).
Eu venho sendo ridícula pra quem eu amo, dançando até criar calo e me sujando muito ao comer (você nem nota)
Eu venho retirando os espinhos do peito, recebendo abraços de gente de carne e osso e sangue correndo limpo nas veias.
Eu venho me permitindo ser estúpida, mas não fraca. Ser agora, sem ser inconsequência.
Eu venho pegando nas mãos essa coisa viva que é o agora.
Venho me sentido amada, curiosa, forte como um touro livre. E livre como uma borboleta no infinito de um dia.
E esse infinito é azul, como o céu se estendendo até a curva nessa estrada de montanhas verdes.
Não me faça perguntas complicadas, minha mente é simples e é pagã.
Simplesmente não me faça perguntas, uma vez que não quer ouvir mentiras.
Eu tenho sentido calor humano como nunca antes, eu tenho me sentido embriagada como Rimbaud e tão a favor da poesia que domina quanto ele.
Eu me sinto viva. Eu presto atenção em cada respiração, em cada passo, em cada sorriso descompromissado que me dão. Eu nada devo ao mundo, eu nada devo aos outros. E o que devo a mim, estou pagando mesmo que a prazos.
Já não peço desculpas pelo que sou, já não quero pensar no que eu poderia ter sido e não fui. Sou apenas uma tecelã do agora, é essa a minha matéria prima. Como na antiga benção celta, o que eu peço é pouco, mas pra quem entende, é muito. Algum riso pra salvar do vazio, alguma embriaguez pra não ficar sisudo demais, abraços doloridos dos que amamos e não abandonamos nunca, beijos verdadeiros pra florir a vida, fogueiras pra aquecer no inverno e pernas pra correr no verão. E que o vento sempre sopre ao meu favor e quando não soprar, que eu saiba dançar de acordo com seu ritmo. Dançar de acordo com o ritmo é uma daquelas lições complicadas que tentam nos ensinar desde a mais tenra idade. Um dia você aprende, todos nós aprendemos um dia. Tenho pensado também que continuo na linha dos que-não-querem-ferir-ninguém mas aprendi que um pouco de maldade não faz mal. Maldade, não. Malícia, sim! Uma gota de malícia é como uma essência com a qual temos que nos perfumar. Não dói. É isso, crescer machuca mas não dói.
Isso é tudo sobre mim, tudo que envolva carros correndo muito rápido, bebidas fortes em noites quentes, pessoas de verdade, músicas alucinógenas, arte crua e subversiva, tudo isso é sobre mim. Tudo sobre perigo, tudo sobre absurdo. Tudo sobre o risco e o medo. E a paranóia e a beleza. Não há mais nada a se saber sobre mim."


Ele havia jogado o toco de cigarro fora há tempos e mesmo assim um gosto amargo tomava conta de sua boca. Amargo como um copo de café frio esquecido na escrivaninha. Amargo como um chocolate que era pra ser doce.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Dois Morangos no Escuro





"Farewell the ashtray girl, forbbiden snowflack. Beware this troubled world. Watch out for earthquakes, goodbye for open sores, to broken semaphor. You know we miss her, we miss her picture"



Este conto é sobre duas garotas, and you know what i mean. Mas acima de tudo, este é um conto sobre amor, sobre música, sobre vinho, sobre palavras, sobre andar sobre o fogo sem se queimar. Este conto não é meu. É  teu, é dela, dele, deles, de quem ler. É delas, em sua maior parte porém. É importante ressaltar que era em Agosto, mas que podia ser em qualquer mês, o tempo não tem nome. O tempo é contagioso, todos estamos envelhecendo.
Mas era Agosto e passava "Closer" na televisão. Um par de olhos lacrimosos julgava a Anna como uma vadia sem coração e o Dan como um fraco, um "tremendo borra botas" e ria da sua mania de ser velha mesmo sendo uma jovenzinha empertigada. 

A outra com o coração batendo descompassado, suspirava pelas palavras de fé da Senhorita Eyres, "Oh Céus, não seriam elas, minhas também?"
Palavras, palavras, palavras. A caixa de som defeituosa repetia "As palavras tentam mexer com você, não deixe elas te quebrarem ou fazerem o seu mundo parar de girar".
Eu assistia ambas, não por prazer, mas porque precisava. Eu escrevia sobre elas, pra que meus olhos não deixassem de se alargar e porque elas me doiam muito. Ah, como vocês me doem hoje. Eu escrevia também pra tirar da minha alma esse brilho todo que expeliam ao sorrir. Eram dessas que sorriem pelos olhos.  Pessoas cujo sorriso parece sair dos olhos e da boca e tomar primeiro o contorno do rosto e depois a silhueta inteira.
Elas eram muito mais do que as descrições da minha mente alcoolizada podem traduzir e mesmo assim eu tento, por um pouco de brilho, eu tento. Eu disse que o conto falaria sobre o amor, mas não o amor das vitrines, e sim, o amor como manifestação de tudo o que há de verdadeiro, como manifestação de qualquer coisa assim que podemos chamar de "Deus", por falta de um nome mais apropriado. Uma delas sabia apenas correr atrás do que acreditava, mesmo que acreditasse numa coisa diferente a cada dia. A outra caminhava nas ruas cheias de domingos, com as mãos no bolso contando as horas, contando os lampejos de vida, medindo cada dia pela quantidade sonhos que cabiam neles.



"Mas me diga: Você viajou através do sol? Você chegou a Via Láctea? A ponto de ver todas as luzes apagadas e descobrir que o céu é inalcançável? Diga-me, você caiu de uma estrela cadente, a única sem uma cicatriz permanente? E você sentiu minha falta enquanto estava procurando por si mesma lá fora?"



-Você acredita em amor? - Ela dizia lambuzando-se com o resto de chocolate que restara nos dedos.
- Não, são tolices que a ficção inventou pra que conseguissem nos condicionar e manipular e depois fazer experiências bizarras em laboratórios com nossos hormônios.
-Deve ser mesmo tudo hormonal, coisa assim. - Ela suspirou e sorveu o cheiro do capuccinno. - Então, por que será que dói além da carne?
- Porque somos feitos pra doer.



"Pedras me ensinaram a voar, o amor me ensinou a mentir, a vida me ensinou a morrer... E não é tão difícil cair, quando você flutua como uma bola de canhão. Pedras me ensinaram a voar, o amor me ensinou a chorar. Então, venha coragem, ensine-me a ser tímido porque não é difícil se apaixonar. Não é difícil crescer quando você sabe que simplesmente não sabe."



Primavera-Verão, sol, sorvete, riso, pranto, discussão, calor-calor, coca-cola, latas, ironias, sarcasmos, cores, beijos, ruas, carros, mãos tímidas, mãos dadas, olhos, boca, céu-amarelo-azul-magenta, medo, plenitude, paz, Primavera-Verão. É, eu acho que eu gosto um pouquinho de você. Eu, gosto, de, você, também. - Um pouquinho? Acho, que, não.




"The shorter story... no love, no glory, no hero in her sky"

-Por que eu não posso te amar? Por que você não me deixa te amar?

"I can't take my eyes off of you"

-Eu teria te amado pra sempre.

"I can't take my mind off of you"



É melhor parar, tem coisas que só o silêncio compreende. Não foi Hamlet que disse "É mister ficar calado"? Mas o silêncio não me diz nada, não enquanto eu olho o meu silêncio. Os silêncios alheios são tão floridos. Eu imagino epopéias, tragédias gregas, romances de folhetins. E no silêncio da moça a minha frente, eu escuto os sons e rimas da sua mente. Ela cantarola um verso do Chico enquanto olha pro nada e enrola uma mecha rebelde de cabelo: "Se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios, rompi com o mundo, queimei meus navios".
E eu fico com a imagem dos navios queimados na cabeça. São grandes e cheios de velas ardendo nas mais incandescentes chamas, posso ver também salamandras ariscas dançando em meio as labaredas. Eu vejo mais além, um oceano de memórias nos olhos da menina. Como eu poderia não me comover com alguém que cantarola Chico Buarque e me faz pensar em navios queimados e salamandras encantadas? Ela me comove, sempre.



"Agora que ela está de volta na atmosfera com gotas de Júpiter nos seus cabelos. Ela age como o verão e anda como a chuva e me lembra que sempre há tempo pra mudar. Desde sua estadia na lua, ela escuta como a primaveira e fala como Juno. Diga-me, o vento soprou sob seus pés? Finalmente você teve a chance de dançar com a luz do dia e voltar pela Via Láctea? E me diga se Vênus confundiu sua mente? Era o que você realmente queria encontrar? E você por acaso não sentiu minha falta enquanto estava procurando por si mesma lá fora?"



Eu desisto. Sons de harpas e de passos vem a tona o tempo todo e por mais que eu tente parar, uma motivação inexplicável me impulsiona a prosseguir mesmo que eu sinta mil lanças afiadas posicionadas ao meu redor. Eu não me importo, eu continuo por um pouco de brilho nessa noite vazia, um pouco de brilho pra colorir as estrelas desse céu vazio.



-Eu não sabia disso..
- Pois é, se a maçã apenas murchar, é porque sua casa é habitada por duendes.
-Isso é um absurdo.
- Eu sou absurda e não preciso fazer sentido.



Ela era mesmo um absurdo. Ía do pranto ao riso em questão de segundos e se surpreendia quando não compreendiam esse mistério e caçoava de si mesma porque era impossível não ser assim, achava que o amor salvava do vazio, achava que as palavras eram seu veneno e seu bálsamo mas encolhia-se de medo que a ferissem ou que ela mesma se ferisse. Tinha os olhos de Catherina Earnshaw e não de Capitu. Também queria correr para as charnecas, também queria a liberdade de ser selvagem. Mas o que é ser livre? O que é ser livre num mundo de hostilidade e falsas cordialidades.
Somos todos brutais mesmo. Aceitar nossa truculência, é também aceitar nossa beleza. Ela era uma flor no lodo, um bocado de poeira estelar lançada sobre uma montanha, um sonho febril de um poeta em transe. Uma sacerdotisa profana.



"Eu sei que você ama a canção mas não o cantor, eu sei que você me têm preso entre seus dedos. Eu sei, você quer o pecado mas não o pecador"



Se um dia alguém me amasse por alguma coisa que eu escrevi, então eu seria feliz. - I know. - I'm alergic to people. - Não demonstrar emoções, it's so dangerous. - You're a sad little creature, arent' you? - O avesso é seu lado certo - Escutar Strawberry Fields Forever mais uma vez e pensar "Ainda é tempo de morangos", mas ainda lembrar que a vida é um soco no estômago - Someday you'll be loved - O céu não parecia ser meu lar... - It always rains on our generation - CLOSER - You may know my name, but don't know me - Life's full of regrets, Charlie Brown - Mrs Dalloway sempre dando festas pra encobrir o silêncio - ALWAYS the love love, always the hours - Se me dessem um último pedido, eu escolheria você - People pass one another, forever strangers - those eyes, those smile - De que romance antigo me roubaste? -  You're too sweet for rock'n'roll - Conversas banais são desesperadoras - I AM NOT A SMILE! - Será que meu calor não te atordoa, nem minha luz? - Hello, Stranger!


Todos estranhos, passando um pelo outro por uma avenida triste. É como se chorasse, mas sem o apelo das lágrimas. É como se gritasse mas não a plenos pulmões, é como se dançasse mas apenas caminhando, é como se sentisse dor sem sentir, é como se fingisse, encenasse. Alguém disse que chovia lá fora e ela não ouviu, outro disse que os anjos lhe guiariam, ela não acreditou. Um a um, passavam lado a lado, como numa coreografia macabra. Eternamente estranhos, estranhamente humanos. Talvez sejamos todos apenas parênteses na vida um dos outros. Um intervalo entre uma respiração, uma pausa na solidão a que nos condenamos dia a dia. Eu vou beber minhas lágrimas a noite e vê-las pingar durante o dia. Eu vou tampar os olhos pra vastidão, tampar os olhos pra não ver um céu tão sem nada, tão sem ausência. Faz três meses que hoje não acaba, faz três meses que ela vê o universo nas paredes do seu quarto. Alguém disse que toda a mulher é um pouco Bovary. Eu digo que nem todas, mas elas eram.
Ah, como vocês me doem! Ah, como vocês me curam, como vocês me salvam a alma do naufrágio de todas as minhas esperanças. É sempre por brilho que continuo. Porque eu esperei a minha vida toda pra pintar esta cidade de vermelho, mas não vale a pena esperar se alguns de nós estão morrendo procurando encontrar a porta do amor.



"Quando aprendemos a voar, nós esquecemos como caminhar. Quando aprendemos a cantar, nós não queremos mais ouvir um ao outro. Quando sabemos o que queremos, esquecemos o que precisamos. Quando você encontrar a si mesmo, se esquecerá de mim"



Estamos todos na linha de chegada. Eu, elas, vocês que assistem de longe e não compreendem e nem compreenderiam se estivessem por perto. Ainda há que se acreditar, a linha da chegada está próxima e enquanto somos jovens, temos o som, temos o pulso e temos o brilho de garotas como elas. Eu fiz um conto sobre amor, música e duas garotas. Talvez eu tenha escrito muito mais pra mim do que pra quem me ler, a arte desde os românticos é particular e única. Particular como uma lágrima que rola em silêncio e cai fina entre os seios de uma jovem e única como uma canção quando ouvida pela primeira vez. Eu vou parar antes que ambas me seduzam com o canto da sereia e me façam prisioneiro de seus mistérios pra sempre. E pra sempre é sempre por um triz.

domingo, 4 de setembro de 2011

On My Way





"Get up, GET OUT, get away from these liars,
  Cause they don't get your soul or your fire"



Me pediram para falar e todo esse tempo eu estive quieta, quieta o suficiente pra não mostrar os dentes, quieta o suficiente para não me vitimizar diante do mundo. 

Quieta - Assim poderiam me deixar mais um pouco, mas eles insistiram.
Um dia apenas não faz mal - Eles dizem. Mas só se o dia os pertence. Quando o dia é meu, quando a noite é minha, eu sou proibida de brincar, porque eu quebro se encostar em mim com muita força, porque eu sou dessas flores de estopa. Porque eu queimo se olharem fixamente nos meus olhos. Porque eu faço arder. Me pedem pra calar e eu grito:


FODAM-SE VOCÊS!

Eu podia me espelhar em Saramago e assustá-los com uma "merda" no caminho, porque isso, com toda a certeza, feriria a sensibilidade de vocês. Sabe, viver tem me ferido muito a sensibilidade, assistir a decadência cotidiana de tudo o que era certo, tem me calejado mais ainda alma, mas calos são bons. Então, eu não reclamo. Quem tem a alma calejada aguenta andar pelos terronos mais acidentados. Gente assim voa no meio do tornado quase que se misturando no vento, vocês vêem? Não parece ser bom? Mas eu não estou disposta a esconder as nódoas e pecados que me constroem só pra não magoar a vista fragilizada de todos vocês. Então junto a mais insana voragem do peito e grito-quase-uivo:

FODAM-SE VOCÊS!


Agora sim, peito calmo, vou dizer o que penso, pra quem conseguir ter paciência e estômago pra me ler-ouvir-sentir-pulsar-ver. Foda-se você e sua pretensa espiritualidade de menina mal saída dos cueros que acha que Deus tá preocupado com seu penar, fodam-se todas as suas orações, suas esperanças, seus sonhos pisados, seu orgulho rompido, suas lágrimas nos copos de café, seus sorrisos frenéticos e mentirosos nas ruas. Foda-se sua fé, ela não me atinge, não me comove, pode parar de tentar buscar um céu vazio, um Deus mudo. Tente buscar um Deus-Humano que não caçoe das suas covardias, fraquezas e derrotas.

Foda-se você e sua pretensa anarquia que me faz ter nojo da minha pretensa anarquia, que me faz tentar ser melhor pra mim, porque não quero me reconhecer em você. Foda-se sua postura de que desolada, solitária, anônima na multidão quando sabe que sob a plumagem das suas asas celestiais se escondem adagas prontas pra ferir por puro egoísmo. Foda-se seu sorriso de menina-acabei-de-menstruar-e-vou-sair-saltitando-pelas-ruas-se-você-me-beijar-agora. FODA-SE MESMO!
Foda-se essa mania de tentar me impressionar com anéis de latão, máscaras bem pintadas mas descascando, senso comum, Senhor óbvio-mais-do-que-perfeito. Pare de usar mesóclise, eu odeio mesóclise.
Foda-se seus números, pro inferno com essa lógica, pro inferno com essas doenças cristãs. 
Foda-se os erros e os milhões de defeitos, foda-se essa fraqueza mascarada de altivez. Foda-se essa saudade manipuladora. Pro inferno vocês e todos esses jogos pra me brutalizar, pra me escarnecer.
Foda-se esses sorrisos amarelos, essa sua pureza nojenta de bicho rasteiro que só espera pra te picar, foda-se essa sua falsa ingenuidade, foda-se toda a mentira, toda a calúnia, toda maldade.
Foda-se a cordialidade normativa, a obscenidade mentirosa, fodam-se os dogmas e a moral. Se eu não puder usar meu verso e minha liberdade, eu prefiro não usar a própria vida.
Foda-se o desamor, a secura, a servidão, a injustiça, foda-se você e sua mente perfeita, brilhante e vazia.
Foda-se seus termos banais,  suas conversas sem brilho.


E que toda doença seja expulsa de mim e que não me obriguem a ter a dor além da dor que já não dói.
E que eu seja generosa ainda que mesquinha,
Que vocês não me firam tanto quanto querem, mas apenas se eu deixar.
E que o grito nunca sucumba dentro de mim como algumas crenças.
Porque é por existir direito ao grito que eu grito.


Eu sou vil... como vocês.
Eu sou pérfida... como vocês.
Eu sou real... como poucos.


Dentro da roda dos dias, peço permissão pra girar do meu jeito.