domingo, 10 de junho de 2012

Por quem os sinos não tocam


"E se Deus fosse um de nós? Apenas um desajustado como um de nós? Um estranho no ponto esperando o ônibus, tentando fazer seu caminho de volta pra casa? Voltando para o céu, solitário?"

Era fácil diferenciar um funeral comum de um funeral de um suicida.
Para os suicidas, os sinos não tocavam e ninguém emitia qualquer protesto a respeito. Fazia-se um voto mútuo de silêncio na região, silêncio em nome dos desolados, que na Terra não encontraram ouvidos, nem conforto.
Deus, quem sabe, haveria de demonstrar piedade, a piedade que eles não encontraram entre seus iguais. Iguais? Piedade? Talvez, afinal, nem Deus em toda sua santa onipotência ousasse ser piedoso com os desolados. Não era Deus que não permitia que os sinos fossem tocados? Não havia sacro-luto por aqueles que decidiam morrer. Mas decidir morrer não seria entender a quão finita é a trajetória que nos leva, qual barquinhos de papel, ao abismo? Hamlet, Fausto, Bentinho, Seixas, Otelo, Aquiles e outros heróis sem idade já se fizeram a mesma pergunta. Acho que eles nunca encontraram resposta... Mas a questão continua lá, suspensa por uma corda invísivel, como uma esfinge de olhos de safira pronta pra executar sua vingança "a vida vale a pena?"
Essa não é uma canção de esperança, mas também não exalta a desolação. É antes um madrigal de realidade, uma injeção de hoje, que paralisa o sangue e faz os olhos se estreitarem. A verdade é essa bola de lã que o gato brinca de enrolar e acaba se perdendo dentro dele mesmo. Você se faz a mesma pergunta a noite entre um rascunho e outro de poema "Vale a pena a vida? Viver uma vida curta cheia de glória ou ter uma longa jornada de tranquilidade e ter meu nome esquecido?", você desfaz a mortalha lentamente a noite pra não apertar o gatinho desfechando o derradeiro tiro, você se engana porque pensa que nós não sabemos, você se engana quando pensa que não somos coerentes. Eu posso escolher trocar de pessoa a hora que eu quiser e de palavras também. Os sinos continuam tocando nas colinas, aqui e longe daqui, mas um dia eles podem não tocar... E todos saberão o que aconteceu, a vergonha te perseguirá e ilhas oníricas e você não terá descanso. Dizem que o Vale dos Suicidas é tão frio quando o Limbo, tão pesado quando o mais cinza dos céus. Eu te espero lá, mas não quer dizer que eu vá me suicidar pra isso. Poucos sabem, mas o Vale dos Suicidas é aqui mesmo e continuar existindo sem viver é a mais cruel das mortes, é o assassinato da sarça viva que é a alma. Morra, mas não morra sem existir é o que nos gritam os sinos, os abutres, as folhas de outono e até mesmo as esfinges. Se precisar de um soco no estômago pra voltar a vida, conte comigo. Se precisar de um beijo, eu estou além das estrelas e da Terra de Oz há muito tempo, mas eu ficarei feliz em tocar os sinos.

Ps1: O nome foi inspirado no livro de Ernest Hemingway "Por quem os sinos tocam"
Ps2: De fato, é uma tradição medieval (ainda em voga em alguns países da Europa) não se tocar as famosas badaladas em funerais quando é sabido que trata-se de um suícidio.