quinta-feira, 15 de março de 2012

Não corra. Não grite. Não Morra. - Parte I



"Ah, mas essas coisas não existem! Muito menos haveriam de acontecer justo num lugar como esse, tão seguro."

- Como se não acontecessem crimes em locais seguros. -

"Nós não vamos morrer. Somos íntegros, quitamos nossas dívidas com os inquilinos. Nunca destratamos mulheres e crianças e só lutamos com homens quando nossa honra é agredida de maneira atroz, tão atroz a ponto de libertar do nosso interior este monstro insaciável por vingança. Caso contrário, ele continuaria adormecido."

- Como se os inocentes tivessem sempre chances de escapar pra fora do fio da navalha. Como se o mundo fosse tão justo quanto um bom juíz de paz que entregasse ao Tártaro apenas os vilões. Como se aqueles que carregam a cruz ao peito e a palavra divina aos lábios estivessem insentos de toda a mácula da torpeza humana. -

"Precisamos permanacer aqui. Calmos. Quietos. Parados. Ninguém de fora pode nos ver aqui e nem nos causar mal."

- Você acaso se faz de tolo? Não enxerga o mal que nos espreita? Todo esse lugar tem cheiro de morte e putrefação. Nós seremos os próximos! Precisamos sair daqui enquanto não desconfiam que temos este intento. Por favor, me escute, ao menos essa vez... -

Escuro. Sufoco. Engasgo. Pigarro. Alívio. Escuro.

Agora ele estava numa sala.
Lembrava-se vagamente de já estar estado ali. Claro, aquela não era a primeira vez que tinha incitado companheiros para se rebelarem. Ele não se considerava o melhor por isso, nem líder ou uma figura de destaque no meio de alguns medrosos e medíocres, não. Nem passava pela cabeça dele que sua vontade de fugir fosse motivo de orgulho. Era normal que assim fosse. Pra ele, nada parecia mais incoerente do que estar preso sem ansiar a liberdade. Assim como se por acaso lhe ocorresse de cortar-se sem querer e imediatamente retirasse o braço pra não ferir-se mais. Seria natural para um homem que deixassem que lhe cortassem a carne e nada fazer exceto assistir a sangria? Porque pra ele, era exatamente isso que seus caros colegas faziam: Assistir a sangria - E mais! Era como se pedissem que enfiassem a faca com mais brutalidade e a deixassem ali. Nada de estancar, nada de emplastos. Queriam a dor viva.
E, bem, ele convivera com essa dor por muito tempo, quase que a conhecia sem suas firulas e maquiagens. Ele a viu nua em pelo, como nenhum outro gostaria. Ele encarou seus olhos de coruja quando lançado a noite longa e fria, não restava nada senão tocar o tango argentino. E não gosto do que viu.
Por isso, é fácil entender os motivos que ele tinha pra se rebelar contra o comodismo enervante de todos ao seu redor. A liberdade existia pra que lutassem por ela, de espada em punho. Ninguém poderia ser feliz se privado do livre uso de seus próprios passos.

A sala. Era úmida, como haveria de ser. Não tinha iluminação alguma. O feixe de luz que a cortava e dividia em sombra e réstia de clarão era oriundo do rodapé da porta, porta de aço. Dura, firme, intransponível (diziam). Ele lá esteve por muitas vezes, sempre que os homens de branco ouviam algo sobre liberdade ou alguma ameaça do gênero, eles o jogavam lá.
Ele sabia que não tinha sido o único a pisar ali. O chão era todo marcado com pequenos rabiscos. Poemas de Wilde, Poe, Milton. Datas aleatórias. Contas. Nomes de mulheres. Juras de amor, cartas suícidas e Odes a liberdade. Claro. Os heróis que por ali haviam passado deveriam ser como ele. Um coringa num jogo de baralho. Aquele que sabia que está inserido numa realidade que lhe tira do jogo, que lhe faz rastejar.

(13 - 05 - 1956)

Um segundo é o suficiente pra que tudo ao seu redor mude, não? É assim que todos gostam de pensar. Um segundo. Um tiro. Um acidente fatal. Algo que nunca deveria ter acontecido.
Morrer é fácil. Um segundo é a morte de qualquer coisa. A morte é fácil, quase nascimento, quando é com os outros. Mas você nunca desejaria, de fato, que um segundo fosse o responsável por você perder a sua vida. Ou pelo menos a vida que você costumava conhecer.
Foi necessário apenas um segundo pra que Teodoro perdesse a memória e perdesse aquilo que mais prezava, a sua liberdade.
Ele foi levado pelos homens de branco. Muito se falava deles, mas ele nunca tivera a chance de ter com eles, a mínima conversa. Julgara tê-los visto uma vez no circo quando tinha 6 anos. Nesta ocasião, avistara um grupo de branco, com sorrisos medonhos parados atrás do picadeiro. Como a lembrança era rasa, esvoaçante e remota, decidira por pensar que não havia passado de um sonho. Mas o sonho de menino mais tarde se tornaria um pesadelo. Um pesadelo de congelar o sangue dentro das veias e derreter a retina dos olhos.

2 comentários:

  1. Alice, onde você tirou a ideia desse conto? Ficou muito bom, gostaria de saber se você já leu a casa dos mistérios que é uma serie de HQ's do selo Vertigo que narra algo semelhante, pelo menos pra mim, lembrei na hora da serie, se puder lê-la em algum momento faça, você talvez tbm note as semelhanças, ou te ajude a ter ideias pra mais contos como esse. E aliás, a imagem ficou legal pra caramba também, lembra um pouco de Dali.

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  2. Poxa, obrigada! Sou bem iniciante nisso de contos de suspense, espero me sair bem! Valeu por ter lido e comentado.
    Vou procurar ler essa série! (:

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