terça-feira, 1 de maio de 2012

Versões


Você fala mas eu não estou realmente te ouvindo. Afinal, João-amava-Maria-que-amava-que-amava-que-amava-que-nunca-amou-ninguém.
Nós não sabemos nada e esse nada é tão concreto, não é?
Eu costumava cantar "A Oração de São Francisco" na escola, você lembra como era?

 "Oh, mestre, fazei que eu procure mais:
   Consolar, que ser consolado;
  Compreender, que ser compreendido;
  Amar, que ser amado.
 Pois, é dando que se recebe,
 É perdoando que se é perdoado."

Essas palavras, por algum estranho sortilégio, vagavam ébrias pela minha mente agora.
Valeria a pena viver em constante Via Crucis apenas para ser perdoado no final? E se tivesse mais haver com o caminho do que com a chegada? E escrevendo, estaria eu respondendo às minhas próprias questões ou criando novas indagações para as noites insones. Não sabia dizer, nunca sabia dizer. Me engasgava no meio, na vírgula-respiração. Faltava jeito que desse jeito na minha completa falta de jeito. Mas talvez fosse esse mesmo relaxo que deixasse meu sorriso mais verdadeiro e menos insípido pra qualquer coisa que tivesse cor e gosto de vida. Sempre consegui reconhecer coisas vivas-vivas e coisas em estado de putrefação e prometi que minha alma jamais chegaria a conhecer intimamente as plantas do chão, não se eu tivesse força física pra impedir a queda.
Que eu procure mais consolar do que ser consolado.
Porque pedir por empatia num mundo doente, onde não olhar nos olhos é normal, acaba sempre soando piegas, mas eu acredito na beleza, nem tudo tem que fazer parte do caos e do lodo, nem tudo é lobo mau, nem tudo é lado esquerdo.
Comprensão. Eu queria compreender a vontade que tenho de fugir mas antes preciso entender porque todos querem ficar. Porque eu nado contra a corrente, quando poderia seguir o fluxo, o fluxo caudaloso de um rio fluindo pra lugar nenhum.
"Nowhere's for genious".
Eu nunca tive grandes ambições, sou pequena até em anseios... Nada que uma aguçada percepção pra intenções ocultas não possa compensar. Você sorri pra mim e seus dentes estão podres, eu posso perceber seus dentes e o sangue por dentro deles, não há como escapar e nós não somos mais crianças, seu lobo.
Ninguém nessa cidade sabe amar, ninguém nesse estado, ninguém nesse planeta aprendeu a falar com anjos. Eles repetem constantemente "Precisamos de educação o suficiente pra que as crianças pensem por elas mesmas". MENTIRA. Ninguém quer ninguém pensando sozinho, porque pensar sempre é o primeiro passo no caminho para o inferno e o inferno é tudo o que você e sua mente cansada pode conceber. É tão fácil hoje visualizar um atómo, é tão difícil pra não dizer árduo, enxergar o outro do seu lado. Caminhando com os mesmos defeitos, as mesmas anomalias, a mesma falta de esperança, o mesmo sonho de esperança, o mesmo tédio, a mesma nostalgia. Não tem diferença nenhuma se você encarar o monstro de olhos verdes de perto, mas você tem medo, você é muito jovem. O inferno são os outros e como eu interpretei Sartre errado, eu estou jogando na mesa as minhas culpas, mas não posso jogar minhas cartas, não posso abandonar minha arrogância porque me despir da arrogância seria ficar nu no cru da palavra e ninguém se sente bem nu. Nem nu, nem pego numa mentira. Pois bem, você foi pego numa mentira. Suponha que agora a Chapeuzinho se vire para o lobo - O cenário, só pra citar, é uma floresta escura, densa, daquelas de provocar erosões nas solas dos pés - E ela sabe, que o Lobo é de mentira e que ele desaparecerá assim que ela abandonar todos os seus medos e por assim dizer, conquistar a morte, ele morrerá, junto com todos os outros medos infanto-juvenis

(Dormir com os pés descobertos, assistir filmes de terror, ir ao banheiro, medo do escuro, passar embaixo de escada, dormir com a porta do guarda roupa aberto, comer manga com leite à noite, chamar a loura do banheiro, sapatos com a boca virada pra baixo, apontar estrelas)

Um milésimo de segundo de coragem além da coragem e você garante a morte instantânea de todo o seu repertório de medos. Um belo trato, você não acha?
Fique no lugar dela, sinta o olhar febril do Lobo Mau, ele te encara, não desvia, dá algumas bufadas de ar, seus olhos são frios e quentes ao mesmo tempo, as vezes ele parece amansar, outras parece querer te abocanhar. Quanto tempo você resistiria na frente do que te dá mais medo? No lugar de maior desespero? Sem chorar, sem correr, sem mentir.

Nós não somos mais crianças, seu Lobo. E você é um mentiroso. Sua vida é uma mentira, seu papel de vilão-coadjuvante torna tudo pior. Você viveu por séculos uma vida que não é tua e agora acha que vai me assustar. Ninguém ama mais, você tá certo. Ninguém olha para os lados quando atravessa a rua, todo mundo acha que seus anjos vão ajudá-los, mas a maioria se nega a acreditar neles porque isso mostraria uma bruta infantilidade. Quem é infantil aqui, seu Lobo? Eu por estar falando com você que, obviamente, não existe além dos livros do Perrault ou você por estar falando comigo e achar que eu estou mentindo, quando você é a grande piada lá fora? Acontece que eu sou tão mentira quanto você, mas você não reconhece. As pessoas lá fora estão se matando porque desaprenderam a ouvir o que o vento sussurra, eu vou ficar mais doente que a vovozinha se eu ficar lá fora, aqui dentro, nos meus sonhos e no meu medo, eu estou protegida, né, Seu Lobo? Parece que a floresta escura é mais mãe até que a mãe da gente. Nós caímos na mesma mentira, é difícil escapar, eu sei. Eles pegam tuas palavras, distorcem, distorcem, retorcem até elas virarem uma massa heterogênea de pus e sangue e de repente você não é mais você. Você tenta se agarrar a uma linha suspensa, mas ela cai. Você falha e chora, porque te disseram que seria fácil e não é. Então você descobre que tem que aceitar toda a brutalidade que vem da humanidade, porque ela também é você. Porque dentro de você existem moléculas de ar e moléculas que já foram parte das grandes explosões. É isso. Somos todos grandes explosões esperando pra ocorrer. O que vai nos despertar? Uma música? Um livro? Um acorde? Um toque? Um abrir de olhos simplesmente? Eu sei o que vai nos despertar, eu sei quando vamos explodir, Seu Lobo Mau: O perdão.

Eu abri os olhos e o Lobo Mau havia sumido.

Ps: Por indicação da autora, leia ao som de "Two Tongues" do The Swell Season e "True" do The Frames.

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