Ela vivia dizendo que jamais teria tempo pra desperdiçar com essas coisas, mas como bem sabemos hoje, essas coisas são fortes demais para que possamos ignorá-las como ignoramos um cisco que caiu dentro da retina, ou um violão desafinado.
Um dia ouvira alguém citando algo sobre uma caixinha de músicas descompassada e águas vivas nocivas, estranhamente ela sentiu que no fundo estava entre as duas coisas: O perigo e o desastre. Constantemente sucumbia a uma delas.
Ao perigo quando inquieta deixava florescer e vigorar sua essência de bruxa. O que fora há centenas de outras eras a chamava como um eco vindo dos mais recônditos lugares da Terra. Sentia ainda o anseio por singrar infinitos ventos, por erguer velas diante de oceanos de maravilhas e desgraças, o oceano que enxergava através de olhos doentes e que guardava em seu peito cansado de tanta guerra inglória. Tinha mesmo jeito para o perigo, tinha mesmo vocação para a vilania, mas nascera frágil, resignada com o papel limitado que exercia dia após dia.
Era no auge da fragilidade de quem ignora a própria grandeza que ela sucumbia ao desastre e fazia com muita ferocidade. As palavras antes ensaiadas e firmes saiam reticentes e famintas de sua boca seca. Ela perdera a graça e a distinção dos solitários, mesmo sendo ainda uma desajeitada solitária. É que os solitários não sabem que se quiserem podem ser o que desejarem, os outros não, porque vivem pela vontade de servir as expectativas dos outros. Os solitários vivem apenas pela solidão... e a solidão, os sábios de outrora já sabiam, é o destino de todos.
Ela aprenderia a lidar com extremos, com arroubos e com a solidão mesmo que custasse o seu escasso sangue e sua pouca perspectiva de realidade. Ela aprenderia a erguer barreiras contra qualquer sentimento corrosivo, contra qualquer mentira velada, contra tudo que não fosse ajudá-la a crescer. E era unicamente por seu caminho envolto em neblina e com suas pernas de ossos fracos que ela iria caminhar e quem sabe chegar ao que lhe fora destinado desde que sairia de Atlântida. Ela estava disposta a vencer toda Santa Inquisição que se armasse contra seus passos. Disposta a retirar máscaras, desfazer laços e quebrar imposições. Até que sua própria angústia sucumbisse ao seus pés.
Os solitários vivem apenas pela solidão.
ResponderExcluiré como olhar só uma parte de mim num espelho.
ResponderExcluirCerta vez Nietzsche profetizara: "Aos trinta anos de idade, Zaratustra deixou sua pátria e o lago de sua pátria e foi para as montanhas. Ali gozou do seu espírito e da sua solidão, e durante dez anos não se cansou. Mas enfim seu coração mudou — e um dia ele se levantou com a aurora, foi para diante do sol e assim lhe falou: ...Olha! Estou farto de minha sabedoria, como a abelha que juntou demasiado mel; ...Quero doar e distribuir, até que os sábios entre os homens voltem a se alegrar de sua tolice e os pobres, de sua riqueza. Para isso devo baixar à profundeza: como fazes à noite, quando vais para trás do oceano e levas a luz também ao mundo inferior, ó astro abundante!"
ResponderExcluirApesar do fado da solidão imperar sob reino dos homens, estes são livres para agirem como uma ponte/elo para a transição do outro e principalmente a si mesmo.
Abração, lindo texto! ;D