terça-feira, 3 de maio de 2011

O perigo e o desastre


                             
                            
                               Ela vivia dizendo que jamais teria tempo pra desperdiçar com essas coisas, mas como bem sabemos hoje, essas coisas são fortes demais para que possamos ignorá-las como ignoramos um cisco que caiu dentro da retina, ou um violão desafinado.
Um dia ouvira alguém citando algo sobre uma caixinha de músicas descompassada e águas vivas nocivas, estranhamente ela sentiu que no fundo estava entre as duas coisas: O perigo e o desastre. Constantemente sucumbia a uma delas.
                              Ao perigo quando inquieta deixava florescer e vigorar sua essência de bruxa. O que fora há centenas de outras eras a chamava como um eco vindo dos mais recônditos lugares da Terra. Sentia ainda o anseio por singrar infinitos ventos, por erguer velas diante de oceanos de maravilhas e desgraças, o oceano que enxergava através de olhos doentes e que guardava em seu peito cansado de tanta guerra inglória. Tinha mesmo jeito para o perigo, tinha mesmo vocação para a vilania, mas nascera frágil, resignada com o papel limitado que exercia dia após dia.
                            Era no auge da fragilidade de quem ignora a própria grandeza que ela sucumbia ao desastre e fazia com muita ferocidade. As palavras antes ensaiadas e firmes saiam reticentes e famintas de sua boca seca. Ela perdera a graça e a distinção dos solitários, mesmo sendo ainda uma desajeitada solitária. É que os solitários não sabem que se quiserem podem ser o que desejarem, os outros não, porque vivem pela vontade de servir as expectativas dos outros. Os solitários vivem apenas pela solidão... e a solidão, os sábios de outrora já sabiam, é o destino de todos.
                            Ela aprenderia a lidar com extremos, com arroubos e com a solidão mesmo que custasse o seu escasso sangue e sua pouca perspectiva de realidade. Ela aprenderia a erguer barreiras contra qualquer sentimento corrosivo, contra qualquer mentira velada, contra tudo que não fosse ajudá-la a crescer. E era unicamente por seu caminho envolto em neblina e com suas pernas de ossos fracos que ela iria caminhar e quem sabe chegar ao que lhe fora destinado desde que sairia de Atlântida. Ela estava disposta a vencer toda Santa Inquisição que se armasse contra seus passos. Disposta a retirar máscaras, desfazer laços e quebrar imposições.  Até que sua própria angústia sucumbisse ao seus pés.

3 comentários:

  1. Os solitários vivem apenas pela solidão.

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  2. é como olhar só uma parte de mim num espelho.

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  3. Certa vez Nietzsche profetizara: "Aos trinta anos de idade, Zaratustra deixou sua pátria e o lago de sua pátria e foi para as montanhas. Ali gozou do seu espírito e da sua solidão, e durante dez anos não se cansou. Mas enfim seu coração mudou — e um dia ele se levantou com a aurora, foi para diante do sol e assim lhe falou: ...Olha! Estou farto de minha sabedoria, como a abelha que juntou demasiado mel; ...Quero doar e distribuir, até que os sábios entre os homens voltem a se alegrar de sua tolice e os pobres, de sua riqueza. Para isso devo baixar à profundeza: como fazes à noite, quando vais para trás do oceano e levas a luz também ao mundo inferior, ó astro abundante!"

    Apesar do fado da solidão imperar sob reino dos homens, estes são livres para agirem como uma ponte/elo para a transição do outro e principalmente a si mesmo.

    Abração, lindo texto! ;D

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